domingo, 7 de maio de 2017

Unidade garante a reabilitação infantil

*Publicado na página de Responsabilidade Social, no jornal O LIBERAL de 18/08/2016

BRENDA PANTOJA
Da Redação

Uma vez por semana, o estofador de móveis Cipriano Silva, de 54 anos de idade, sai do município de Muaná, na Ilha do Marajó, e enfrenta em média oito horas de viagem de barco para levar a filha Maria Vitória da Silva, de 7 anos, para as sessões de terapia na Unidade de Referência Especializada em Reabilitação Infantil (URE-REI) e Abrigo Especial Calabriano. São duas instituições que funcionam no mesmo espaço, localizado no bairro do Telégrafo, em Belém, e atendem crianças com deficiências neurológicas. É o caso da menina Maria Vitória, dona de um sorriso doce, que tem paralisia cerebral e faz tratamento na unidade há seis anos.
A unidade atende 280 crianças por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), oferece 13 tipos de terapia e contabiliza entre sete e oito mil atendimentos por mês. O Abrigo Especial tem 41 acolhidos, sendo 19 adultos, que foram encaminhadas pelo Juizado da Infância e da Juventude e Conselhos Tutelares por estarem em situação de abandono ou de vulnerabilidade social. O trabalho é realizado há dez anos, através de convênios renovados anualmente com a Secretaria de Estado de Saúde (Sespa) e a Secretaria de Estado de Assistência Social, Trabalho, Emprego e Renda (Seaster).
Uma equipe formada por cerca de 30 profissionais se desdobra para manter a qualidade do serviço oferecido, mas algumas dificuldades no último ano forçaram mudanças no atendimento. Por causa do alto custo com energia elétrica, a hidroterapia, realizada na piscina aquecida e coberta, precisou ser interrompida durante várias semanas. Em alguns casos, o tempo de serviço também foi reduzido para conseguir abrir vagas para novas crianças mantendo o mesmo quadro de funcionários. Pacientes que antes frequentavam a URE-REI duas vezes por semana e passavam 45 minutos por terapia, agora vão uma vez por semana e as sessões duram meia hora. 
“A minha filha tem todo o atendimento que precisa aqui, uma assistência que não temos em Muaná. O desenvolvimento dela tem sido muito bom. Já engatinha, sobe no sofá, na cama, na rede. É bem ativa e muito inteligente. Conhecemos outras crianças que tiveram o mesmo diagnóstico que ela, mas não tiveram condições de continuar o tratamento e hoje em dia ainda não conseguem levantar a cabeça ou sentar”, conta Cipriano. Pela distância e dificuldade de deslocamento, Maria Vitória não consegue viajar para a capital mais de uma vez por semana e acaba faltando às terapias em algumas épocas do ano.
O pai explica que fica complicado fazer o trajeto nos períodos de seguro-defeso e durante o Círio de Nossa Senhora de Nazaré, pois os barcos saem com a lotação esgotada de passageiros. “É muito desconfortável e ela fica agitada, então a gente também aprendeu a fazer os exercícios em casa, na nossa piscina. Ela estuda em uma escola regular, está na segunda série, gosta de cantar e é o xodó dos irmãos. Tenho fé em Deus que um dia ela vai conseguir andar”, completa.
A dona de casa Maria Maciléia da Silva, de 40 anos, lembra que o filho Rudson da Silva, de 8 anos, só conseguiu andar depois dos quatro anos de idade. Ele também tem paralisia cerebral e o acompanhamento multiprofissional que recebe na URE-REI há dois anos é fundamental para que dê passos cada vez mais seguros. O garoto foi atendido em outras unidades durante seis anos, mas a dificuldade de suporte especializado fez com que o tratamento fosse interrompido por quase um ano. Ela é mãe de outros dois filhos, a família mora à avenida Augusto Montenegro, em Belém, e Rudson tem atividades quase todos os dias da semana, além da escola.
“Há cerca de três meses, o atendimento dele também foi reduzido um pouco na URE-REI, mas ainda trago duas vezes por semana porque não tinha horário para ele fazer tudo só num dia. Para complementar, ele faz natação na UTEES (Unidade Técnica de Ensino Especial), em Icoaraci. Lá também faz o letramento, para ajudar no desempenho escolar”, afirma. Rudson não utiliza cadeira de rodas ou muletas por recomendação médica. Com um sorriso largo no rosto, ele sai da sala de terapia ocupacional andando sozinho em direção à mãe e recebe muitos elogios da terapeuta.
Fã de games, a tecnologia também o ajuda a ler melhor e desenvolver a coordenação motora. “Gosto muito daqui, gosto de ficar na piscina e das sessões de fonoaudiologia. Quando estou em casa, jogo videogame e uso o computador, também tenho joguinhos no celular. Minecraft e The Sims são os meus preferidos”, revela. Ele diz, ainda, que gosta de estudar Matemática e Português e até ajuda os colegas que ficam com dúvidas. Para a mãe, a manutenção da qualidade de atendimento no local é essencial para o progresso do tratamento das crianças.
“Essa unidade de referência sempre teve um diferencial que foi o bom serviço e a frequência de duas vezes por semana. Acho que a tendência deveria ser ampliar e não reduzir essa oferta”, reforça a comerciária Miriam Cecim Pereira, de 39 anos, mãe de Samuel Estevão, de 8 anos, que usa cadeira de rodas e é um menino comunicativo. Ela e o filho, que tem paralisia cerebral, frequentam a URE-REI há quase sete anos e chegaram a ser atendidos em outras unidades. “A vantagem daqui sempre foi a continuidade. Isso impacta o desenvolvimento dos pacientes, com certeza. Em outros lugares, são atendimentos de meia hora, às vezes com intervalo de 15 dias”, relata ela, que assim como outras mães e pais, torcem pela melhoria das condições do espaço.

Abrigo promove 19 adoções de crianças com necessidades especiais

No ano passado, foram registradas 143 adoções de crianças e adolescentes com alguma deficiência ou doença no Brasil. Em 2013, foram apenas 96 adoções. Os dados são da Corregedoria Nacional de Justiça. Desses 143 meninos e meninas adotados, estão 15 com deficiência física e 15 com deficiência mental. No Abrigo Especial Calabriano, em uma década foram concretizadas 19 adoções. O número é positivo, segundo a diretora Soraia Guimarães. O abrigo é o único do Estado que atende esse público, respeitando suas limitações e promovendo a recuperação e manutenção dos vínculos afetivos com a família biológica ou substituta, bem como buscando encaminhamento aos procedimentos necessários em caso de adoção.
“O governo do Estado é um grande parceiro nosso e esperamos nos reunir e conversar para renovar os convênios o mais breve possível, pois assegurar o desenvolvimento dos pacientes e acolhidos é a nossa prioridade”, enfatiza Soraia. Mesmo com a redução do repasse nas últimas renovações dos convênios, ela destaca que a unidade é referência nacional pelo modelo que adota, além de ser referência no Pará na assistência a crianças com microcefalia, autismo e paralisia cerebral. “Temos uma rede de voluntários e empresas parceiras que nos ajudam doando produtos, tempo e carinho, a exemplo do programa de apadrinhamento afetivo do Tribunal de Justiça do Estado”, acrescenta.
De acordo com a psicóloga Brenda Castro, ainda que o abrigo garanta atendimento médico, que tenha acolhidos estudando em escolas regulares e especializadas, e que tenha parcerias para a realização de cursos profissionalizantes como panificação e confeitaria, algumas pessoas não conseguem ser adotadas ou reinseridas no convívio familiar e nem conquistam autonomia. “Tem acolhidos traqueostomizados, que necessitam de fisioterapia respiratória e de atenção constante. Mesmo assim temos adoções. O que a gente percebe é que o quadro de saúde fica em segundo plano quando as famílias conhecem as crianças, eles percebem que isso não justifica não adotar”, pontua.
A área do abrigo e da URE-REI é de 1.100 metros quadrados, com instalações amplas, modernas e acessíveis que incluem piscina, dormitórios, jardins, berçário e salas separadas para cada atividade. Fica localizado à avenida Senador Lemos, 1.431, no bairro do Telégrafo, e o funcionamento é de segunda-feira a sexta-feira, das 7 às 18 horas, e todo sábado pela manhã, quando é a vez dos acolhidos realizarem as terapias e quando as portas são abertas para os voluntários visitarem e interagirem com eles. O telefone para contato é 3244-5714. Na próxima quinta-feira, serão comemorados os 10 anos de funcionamento da unidade. Uma missa será celebrada na paróquia São Raimundo Nonato, à avenida Senador Lemos, às 9 horas.

terça-feira, 2 de maio de 2017

Verdadeira prática do amor ao próximo

*Publicado na página de Responsabilidade Social, no jornal O LIBERAL de 11/08/2016

BRENDA PANTOJA (texto e fotos)
Da Redação

Em uma manhã de sábado com sol forte, as salas do Centro Espírita Trabalho e Solidariedade (Cetrasol), no bairro do Tapanã, estão cheias de pessoas de todas as idades que buscam aprender mais sobre si mesmo e o relacionamento com os outros. As reuniões são realizadas semanalmente há quase nove anos e a instituição atende cerca de 250 pessoas, oferecendo também outras atividades como aulas de cidadania, canto e violão, recreação infantil e ações sociais. Fundada e coordenada por um grupo de amigos voluntários, o Centro caminha para uma década de trabalho com novos projetos em vista. A meta mais urgente é a cobertura da quadra de esportes.
Para a garotada moradora de um bairro localizado na periferia de Belém, onde quase não há espaços públicos de lazer que sejam seguros, o calor escaldante não impede a diversão na quadra do centro. Mesmo assim, os voluntários desejam oferecer mais conforto e melhorar a infraestrutura da sede, que conta com 11 salas de estudo no andar superior e mais 11 salas embaixo, utilizadas pela creche municipal Nosso Lar. Segundo o presidente do Cetrasol, Luiz Lopes, a construção de um centro de profissionalização é um projeto a longo prazo.
Boa vontade, amor ao próximo, trabalho em equipe e planejamento são alguns dos elementos destacados por ele como fundamentais na construção de uma rede de solidariedade. O impacto do trabalho realizado pelo Cetrasol começa de dentro para fora, afirma um dos coordenadores, Júnior Santa Helena. Por meio dessa transformação pessoal, é possível mudar a realidade de muitas pessoas que encontram dificuldades para ter acesso a direitos básicos, como ensino de qualidade, infraestrutura e saneamento, capacitação profissional, lazer e segurança.
A atuação da entidade se baseia na simplicidade e a atenção concedida aos assistidos, que vem não só do Tapanã, mas também do centro de Belém e até da ilha de Cotijuba. Lopes observa que muitos renovam as esperanças e vislumbram novas perspectivas a partir do que aprendem sobre a doutrina espírita, do aconselhamento, da oferta de atividades complementares que ocupam o tempo das crianças e adolescentes e do incentivo ao estudo e qualificação, além de serem beneficiados por ações
pontuais como cortes de cabelo, atendimento médico, bazar e distribuição de brinquedos e cestas básicas. É o caso da família de Kerline da Silva, de 30 anos, que frequenta o espaço com os quatro filhos, sobrinha e marido.
Ela conheceu o trabalho do Cetrasol há sete anos e passou um tempo desempregada, mas hoje é funcionária da creche municipal, além de ajudar como voluntária aos finais de semana. “Os meus filhos começaram a vir ao Centro convidados por um amiguinho, mas eu tinha um certo preconceito. Até que o caçula ficou um pouco doente e eu não tinha condições de levar ao médico. Uma das voluntárias me ajudou e criamos uma relação de confiança”, resume. Depois de três anos, ela fez o curso de evangelizadora e passou a dar aulas na creche que funciona somente aos sábados, para que os pais possam participar das reuniões.
“Tenho esse lugar como a minha segunda casa. Se não consigo vir no sábado, passo a semana triste. Os ensinamentos sobre como se relacionar melhor nos ajudou muito lá em casa. Era algo que precisávamos muito porque a gente não sabia sentar e escutar, então tinha muito grito e era difícil a gente se entender. Nós aprendemos a nos comunicar melhor, não que a gente seja perfeito, mas em comparação a como era antes, já estamos 90% melhor e até a convivência com os vizinhos ficou menos turbulenta”, relata.

LAZER E QUALIDADE
O bairro tem alto índice de violência e ela se preocupa com a segurança dos filhos. “A visita ao Cetrasol é o momento de lazer com qualidade que os meus filhos têm durante a semana. Aqui no Tapanã não tem áreas públicas de lazer, e muitas famílias, com medo, ficam trancadas dentro de casa. Aqui eles se sentem soltos pra brincar e sabemos que estão longe de más influências. O centro só veio ajudar a comunidade local”, afirma. Os filhos e a sobrinha de Kerline têm entre 5 e 13 anos.
Rodrigo Silva, 13, é o filho mais velho e o sorriso largo não esconde a alegria que sente em frequentar o local. Acompanhado dos irmãos e amigos, ele cita as coisa que mais gosta de fazer. “As atividades com cartolina e pintura na sala sempre são legais. Também gosto de praticar esportes como queimada, bandeirinha e vôlei. Aqui a gente aprende a honrar pai e mãe, amar o próximo, não brigar com o irmão, fazer coisas boas...”, conta. Ele também participa da iniciativa “Anjos da Guarda” da Guarda Municipal de Belém (GMB), que é realizado na sede do Cetrasol, onde toca flauta e quando está em casa gosta de assistir televisão e jogar “tacobol” na rua. “Mas a minha mãe não gosta que eu fique muito tempo na rua porque é perigoso”, completa.
O projeto “Anjos da Guarda” é um programa pedagógico da Prefeitura de Belém que, através da Guarda Municipal, ensina regras de conduta social e estimula a cidadania em crianças e jovens no bairro do Tapanã. Atualmente atende em torno de 120 crianças e adolescentes participantes na faixa etária de 7 a 16 anos. Desde a sua criação já beneficiou mais de duas mil famílias e tem sido uma parceria de sucesso com o Cetrasol há três anos. O presidente do Centro explica que a agenda semanal inclui, ainda, palestras sobre a doutrina espírita, abertas ao público toda quarta-feira. Recentemente, eles receberam a doação de um terreno localizado na mesma rua. Lá planejam construir o Centro Profissionalizante do Tapanã, um sonho antigo para beneficiar a comunidade.

O mais importante é saber ouvir e compreender o problema do outro

A enfermeira Larissa Barros, 25, vai às reuniões do Centro há dois anos e o contato com o trabalho voluntário trouxe mudanças positivas para a vida pessoal e profissional. “Casei e fui mãe bem nova, mas sempre tive vontade de ajudar os outros de forma prática, pensei nisso até na hora de escolher a profissão. No espiritismo, a caridade é o principal legado e não se resume a dar comida. Hoje entendo
que também é ouvir e identificar as necessidades do outro e isso começa dentro de casa. Trabalho com funcionários e aqui aprendi a ser mais compreensiva com os problemas dos outros”, diz.
Isis Castro, 15, é estudante e participante ativa do Cetrasol desde os nove anos de idade. Além da evangelização, já fez aulas de violão e participou do projeto da GMB. Para ela, a relação próxima com os voluntários ajuda muita gente “a colocar a cabeça no lugar”. “Vejo muita gente no bairro que precisa de uma conversa, um carinho, um abraço. Admiro muito o trabalho deles, porque são muito solidários. Eu já fui muito ajudada aqui, além de bens materiais, com conselhos. Sinto vontade de ser colaboradora daqui no futuro”, conclui a adolescente, que costuma ir ao centro com cinco irmãos, a mãe e a avó.
Como funcionária da entidade, Cleyse Carneiro, 36, trabalha de segunda a sexta. No entanto, isso não a impede de estar lá todo sábado para ajudar como voluntária. Ela começou a assistir as palestras ano passado, manifestou desejo de ser voluntária e foi contratada há dois meses. A oferta veio na hora certa, pois estava desempregada há algum tempo. Mãe de quatro filhos, ela acredita que o trabalho social traz mais esperança aos moradores. “Quando a gente se sente melhor conosco, consegue lidar melhor com as adversidades, além de ser uma instituição em que muitas mães e pais confiam de mandar os filhos”, avalia.

Para os coordenadores, ainda há muitos desafios para superar

Em anos anteriores, o centro chegou a promover cursos de corte e costura, informática, entre outras turmas, mas a vontade dos coordenadores é consolidar esse projeto. “Pensamos que ainda fazemos muito pouco. Ainda temos muito mais para realizar e muitos desafios para superar. Mas já nos deixa altamente felizes saber que fomos aceitos pela comunidade”, diz Lopes.
Ele espera que o modelo adotado – mais de 30 voluntários, coordenados por sete pessoas – possa encorajar outros grupos a realizarem ações do tipo em outros bairros de Belém, contribuindo para o bem-estar da sociedade. “Não é difícil, precisa principalmente de boa vontade e amor para se articular. Muita gente pensa apenas no dinheiro. A grande sacada é o grupo, as pessoas se unindo. As pessoas contribuem de um jeito ou outro, seja com recurso ou serviço. Em um trabalho voluntário você se realiza, se avalia e se torna alguém melhor também”, comenta.
Junior Santa Helena reforça a importância de fazer com que crianças, jovens, adultos e idosos reflitam “sobre o seu verdadeiro papel enquanto indivíduo na sociedade”. “Aqui temos uma constante troca. Temos ensinamentos belíssimos de pessoas que não tem quase nenhum recurso financeiro, mas praticam a solidariedade. Vemos aqui alguns heróis que saem para vender bombom e sustentar os filhos, mães que estão aqui só acreditando em Deus porque as circunstâncias são muito complicadas, mas nem por isso, deixam de dividir o pouco que tem”, pontua. 
Eles ressaltam que a cobertura da quadra será o complemento de um sonho e vai trazer diversos benefícios. A área foi construída três anos atrás, com apoio de empresários colaboradores. De acordo com Lopes, a quadra se torna inviável de ser usada em uma determinada época do ano por causa das chuvas, além do sol inclemente da Amazônia. “Às vezes deixamos de realizar alguns eventos pelo fato de não ter como receber um público um pouco maior ou fazer alguma atividade que exija uma configuração diferente do que a divisão em salas que temos. A chuva já atrapalhou eventos socais também”, acrescenta Junior Santa Helena.