segunda-feira, 24 de abril de 2017

Tecnologia avança nos rios amazônicos

*Publicado na página de Responsabilidade Social, no jornal O LIBERAL de 28/07/2016

BRENDA PANTOJA
Da Redação

Os rios e as ilhas de Belém são o cenário de atuação do Barco Hacker, projeto de cidadania, tecnologia social e acesso a informação. Com uma proposta inovadora, as ações são realizadas dentro de uma embarcação que leva equipamento eletrônico, especialistas em tecnologia e interessados em intercâmbio cultural. As atividades colaborativas promovidas com as comunidades ribeirinhas têm viés técnico, empreendedor e sustentável e vão desde montar uma trilha do cacau na Amazônia até maratonas para criação de soluções para demandas da população das ilhas.
Em diferentes programações do barco, foram discutidos problemas como a carência na distribuição de medicamentos, formas de tornar a extração de açaí mais segura, identificação de espécies nativas e oficina sobre transparência de dados públicos, entre muitas outras ideias interessantes. A administradora Kamila Brito, 28, é a idealizadora do projeto e colocou o Barco Hacker para navegar pela primeira vez há dois anos. Desde então, mais de 300 viajantes já embarcaram para participar de palestras, workshops e visitas a comunidades.
A iniciativa já foi levada para Manaus, no Amazonas, e a expectativa é que chegue a outras regiões. Para este ano, há mais duas expedições planejadas. A preparação para as atividades começa pelo menos um mês antes, com diálogos com os ribeirinhos para montar a programação e organização de trilhas, conciliando com a rotina da ilha e se preocupando inclusive com as chuvas e a maré, além da articulação de parceiros. O Barco Hacker já reuniu representantes da Wikipédia, do Facebook, empresas de tecnologia e outras instituições de cultura digital e empreendedorismo social.
Kamila conta que a ideia de atravessar o rio e buscar essa integração surgiu na Casa de Cultura Digital do Pará, também fundada por ela, que funcionava como espaço cultural, de consultoria e para soluções em tecnologia da informação. E ela explica o conceito por trás do nome do projeto. “É um barco hacker no sentido de que as rotas seguidas não são as comerciais e também porque quisemos pegar o barco e utilizá-lo para outro fim, que não era o transporte e a pesca, mas sim a criação em um ‘hub’ tecnológico. Ou seja, uma estação de trabalho móvel e experimental”, define.
Ela defende que o projeto tem capacidade de estimular o desenvolvimento da região, proporcionando imersão cultural, turismo de experiência e acesso a tecnologia e informação. “O barco é focado no empreendedorismo, é para tirar as pessoas da zona de conforto e incentivá-las a fazer algo concreto. Uma expedição pode durar dez horas com várias atividades, as coisas ocorrem de forma muito dinâmica no barco”, ressalta. Kamila também destaca que o contato entre viajantes e ribeirinhos ajuda a promover respeito pela cultura e empoderamento dos moradores.
Cada viagem tem um tema e o público é bastante variado. As inscrições costumam ser feitas pela internet, o principal canal de divulgação do projeto. A visibilidade que o Barco Hacker alcançou na rede resultou em contatos de especialistas que querem participar das expedições e em convites para palestras fora do Estado e até do Brasil. Em apenas dois anos, o projeto virou documentário produzido pela EBC sendo exibido em 32 países, matérias em revistas nacionais e destaque no Global Innovation Gathering, evento mundial de inovação na Alemanha onde Kamila palestrou. Pelo trabalho, ela também foi mencionada como uma das mulheres inspiradoras de 2015, na categoria Tecnologia, pelo site Think Olga.

TRILHA
Neste ano, o Barco Hacker sediou dois encontros. O primeiro, em março, foi a Nova Trilha do Cacau na Amazônia, que levou cerca de 80 pessoas a comunidade do Bom Jardim, em Barcarena, para conhecer melhor a cadeia produtiva do cacau de várzea. A trilha estruturada em parceria com os moradores teve duas horas de duração e teve algumas espécies de plantas catalogadas. A programação incluiu, ainda, uma experiência gastronômica proporcionada pelos chefs paraenses Ofir Oliveira e Artur Bestene e a presença de produtores locais de chocolates da Amazônia, como as marcas Nayah, De Mendes, Cacau Way e Kaiporas.
Os representantes falaram sobre os desafios do mercado paraense, empreendedorismo, custos amazônicos de produção e logística de importação, obstáculos a serem vencidos para que os chocolates regionais sejam comercializados por todo o Brasil. Em junho, o tema principal foi a inovação, por meio da Maratona Maker Intel, o primeiro evento do barco voltado exclusivamente para crianças e adolescentes. Durante dois dias, alunos de escolas públicas de Belém, incluindo da Ilha do Combu, assistiram a palestras e usaram a tecnologia para desenvolver equipamentos que podem ajudar na realidade local.
Segundo Kamila Brito, foram dessas jovens mentes que surgiram ideias como um sensor que pudesse ser instalado no açaizeiro para monitorar o amadurecimento do fruto. Isso reduziria o risco de alguém se machucar subindo para verificar, tarefa comum onde a colheita de açaí é uma atividade forte. Outra sugestão foi um sistema que comunicasse quando uma embarcação estivesse de aproximando da casa ou do cais. “Os meninos e meninas disseram que acontece de esperarem por muito tempo na margem a chegada do barco que os leva para escola, da embarcação de algum parente ou ainda de um barco para atravessar para Belém”, diz. 
Um dos principais desafios para a administradora é conseguir apoio do governo e de empresas. “Muitas empresas ainda não prestaram atenção no potencial que esse tipo de projeto tem e quanto isso pode gerar impacto e de retorno para ela, através dos funcionários”, afirma. Ela quer tornar a agenda do Barco Hacker mais constante e diversificar os temas das expedições. Sempre com a mente fervilhando de ideias, Kamila pensa em realizar oficinas de metarreciclagem, que parte do princípio de reutilização de equipamentos e apropriação da tecnologia para a transformação social. Recentemente, o Facebook lançou a campanha #ElaFazHistória, que contará com eventos de capacitação para Mulheres Empreendedoras nas cinco regiões do Brasil e ela foi convidada para palestrar em Belém, que deve sediar o encontro no fim de agosto.

Iniciativa social prioriza a democratização do conhecimento na região

Cláudio Miranda Cardoso, 43, é pastor da Igreja Evangélica Assembleia de Deus, além de coordenador de Relações Públicas da Associação de Moradores, Extrativistas e Pescadores da Ilha do Combu (AMEPI), onde vive há sete anos. Ele acompanhou de perto a realização da Maratona Maker Intel e percebeu que a comunidade ficou empolgada com o projeto. “Foi um projeto diferente do que estamos acostumados a ver, atraiu a atenção de crianças, jovens e adultos, estimulou o raciocínio e o desenvolvimento deles. Por um tempo, os moradores estiveram desconfiados com a chegada de projetos sociais na ilha, mas o Barco Hacker foi uma experiência muito boa e que já aguardamos novamente”, comenta.
Ele considera bastante válida a iniciativa de democratizar a tecnologia em uma região “onde o fornecimento de energia elétrica chegou somente há quatro anos e meio”. Com 480 famílias, a população gira em torno de sete mil pessoas e, embora haja problemas de saneamento e infraestrutura, o uso de celulares, smartphones e tablets se popularizou. “Computadores e notebooks são mais difíceis de manter aqui, pois a energia ainda é instável, mas para a geração mais nova, que já está mais acostumada com os aparelhos eletrônicos, aprender mais sobre tecnologia estimula a aprender mais, a se informar melhor”, observa.
Em tempos de eleição, a informação é a palavra-chave. “Podemos usar a internet para integrar e mobilizar os moradores para cobrarmos os candidatos à prefeitura de Belém sobre as propostas para as ilhas. Queremos, inclusive construir um espaço próprio para receber esses tipos de ações. Esperamos ver mais boas ideias como essa, mas sabemos que para isso precisa ter um esforço conjunto de empresas, governo e pessoas”, complementa.
A parceria com a Intel para a Maratona Maker ainda não acabou. A ação incluiu uma oficina na Fundação Cultural do Pará Curro Velho e se trata, na verdade, de uma competição nacional. As ideias que surgiram no Barco Hacker podem continuar sendo aprimoradas pelos grupos e podem ser inscritas no site www.maratonamaker.com.br até o dia 30 de setembro. Os 50 melhores projetos serão selecionados e receberão um kit para construir um protótipo, com assistência de profissionais via web. Três equipes vencedoras serão selecionadas e ganharão a Innovation Trip: uma viagem para São Paulo com diversas atividades de formação.
A gerente de assuntos corporativos da Intel Brasil, Fernanda Sato, frisa que mesmo os alunos que não participaram dos dias de Maratona, mas tem uma boa ideia tecnológica para resolver problemas da comunidade podem se inscrever. “O nosso objetivo é desmistificar a tecnologia para o público jovem. Levar a Maratona para a região Norte e para os estudantes das ilhas faz com que eles percebam que não precisam ser apenas consumidores e usuários de tecnologia. Também podem desenvolver tecnologia, ver que isso não é algo inalcançável. Também faz com que eles reflitam sobre questões do lugar onde moram e como podem melhorar, se tornando transformadores e não só esperando que o poder público faça algo”, pontua.

Conheça mais sobre o Barco Hacker
Site: www.barcohacker.com.br
Facebook: www.facebook.com/barcohacker
E-mail: capitao@barcohacker.com.br 

quinta-feira, 20 de abril de 2017

A beleza das gemas vegetais

*Publicado na revista Amazônia Viva, nº 55, março/2016 


A floresta amazônica contém uma vasta gama de cores. Uma mesma planta pode apresentar diferentes tonalidades em suas sementes, folhas, frutos e casca. Essa variedade de pigmentos é a principal matéria prima do pesquisador e ourives Paulo Tavares, 53, que desenvolveu as gemas vegetais. 
O pigmento extraído de urucum, açaí, pimentas e várias outras espécies, combinado com resinas naturais e sintéticas, é o que forma uma gema vegetal. Uma vez pronta, ela vai adornar peças de cobre, prata ou ouro para compor joias que não só são inspiradas na Amazônia, como também carregam um pouco dela na sua composição. 
Paulo trabalha como ourives desde os 16 anos e, motivado por uma inquietação com a cadeia de produção do setor, começou a estudar formas de praticar a arte da joalheria de forma mais sustentável. A técnica das gemas vegetais, desenvolvida e aprimorada por ele ao longo dos últimos 15 anos, está em processo de patenteamento e é baseada na redução do impacto ambiental e na valorização da cultura regional. Nascido no Arquipélago do Marajó, a vivência de caboclo contribuiu para essa consciência e conhecimento empírico. "A ideia não é devastar a natureza para obter os pigmentos, mas sim fazer a comunidade entender que manter a floresta em pé também é fonte de renda", afirma.
Em sua oficina, estão espalhadas dezenas de caixas e vasilhas rotuladas com códigos decifrados apenas por ele mesmo, onde estão guardados exemplares de matéria prima que são estudados e catalogados. As gemas podem surgir dos frutos, como cupuaçu, castanha e pupunha ou de ingredientes da culinária local, como o tucupi e jambu, e ainda do uso de cascas e outros elementos das árvores de caimbé, miriti, andiroba, pau-brasil e pau-rosa. Os próprios aglutinantes utilizados são retirados do jatobá e do breu branco, por exemplo.
As possibilidades de criação são enormes para ele e a empresária Mônica Matos, responsável pela elaboração e comercialização das joias, em uma parceria que já dura dez anos. As gemas orgânicas, com dureza semelhante a de uma pérola, podem substituir na joalheria algumas gemas minerais como granada, turmalina e vários tipos de quartzo. "O processo pode demorar de uma semana a meses, pois é bem artesanal, desde a coleta do material até a fabricação das gemas vegetais, através de desidratação e trituração, e das joias. Ao recolher as cascas e frutos, retiramos apenas aquilo que é descartado naturalmente para não prejudicar a renovação da espécie", explica Paulo Tavares.
As primeiras peças fabricadas estão com 12 anos e não apresentam deformidade e perda de cor, asseguram. "Continuamos estudando para aprimorar a técnica e o nosso objetivo é chegar a um produto 100% natural, sem o uso das resinas de laboratório", destaca Paulo. Segundo ele e Mônica, o próximo passo é organizar comunidades para fornecerem a matéria prima, com a intenção de gerar renda para as pessoas que precisam e transformar o modelo econômico de algumas localidades. Somente no ano passado, eles conseguiram plantar mais de 300 mudas de pau-brasil e pau-rosa, ameaçadas de extinção, na Região Metropolitana de Belém. 
O trabalho já rendeu reconhecimento internacional, conta Mônica Matos, que ganhou um prêmio na Itália pelo pingente Curuatá, que representa o invólucro que protege os frutos das palmeiras e também serve de recipiente para o que é coletado na floresta. A peça foi confeccionada em cobre e recebeu uma gema vegetal feita do açaí.  Atualmente, está exposta no Museo del Bijou di Casalmaggiore. 
Ela diz que a aceitação do produto no mercado tem surpreendido, demonstrando que a mentalidade dos consumidores está mudando. "Além do fascínio dos compradores de fora, há uma identificação cultural por parte dos clientes da região. Acho que o produto não deixa a desejar para joias tradicionais, mas sim traz identidade. A Amazônia tem um peso mundial e esse é um produto 100% nosso", pontua.
Ela reforça que tem crescido a quantidade de pessoas que adquirem as joias pela sua forte carga cultural, pois querem usar algo que fale das suas raízes e isso agrega valor à cultura local. Paulo e Mônica integram o programa Polo Joalheiro do Pará, gerenciado pelo Instituto de Gemas e Joias da Amazônia (Igama), e também são procurados por outros produtores da iniciativa, interessados em usar as gemas em suas criações. O design de joias é reconhecido pelo Ministério da Cultura e pela Unesco como um dos setores da chamada economia criativa que pode se tornar uma ferramenta de inclusão social entre populações tradicionais.
Mônica acertou ao apostar nesse mercado, uma vez que levantamentos da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) mostram que o ramo pulou de 148 mil empresas, em 2004, para 251 mil empresas em 2013, num crescimento de 69%. Outro diferencial apontado por ela é que apenas eles dois se envolvem em todas as etapas e "tudo é feito a quatro mãos", incluindo as medidas para evitar o desperdício na oficina de produção.  A água usada no polimento de algumas peças é reaproveitada e até o lixo gerado no espaço tem um destino responsável e criativo. 
"Já apareceram propostas de empresas, mas temos exigências relacionadas ao aproveitamento da floresta e produção limpa. Seria muito fácil vender essa técnica para uma indústria, mas pode virar um produto predador lá na frente. A nossa intenção, desde o começo, era contribuir para um mercado mais consciente", frisa Paulo. Foi a partir dessa preocupação que ele realizou a coleção "Metal-morfose", baseada na reciclagem dos resíduos de metais usados nas unidades produtivas do Polo Joalheiro e em técnicas inovadoras de coloração das peças, por meio de processos químicos. 

RECICLAGEM
O ourives explica que do lixo das oficinas pode se tirar ouro, prata e vários outros metais. "O que antes era jogado na natureza e contaminaria o solo e a água, por conter ácidos pesados, vira novas peças. A terra e os óxidos que sobram desse processo são ricos em nutrientes e se tornam adubo para agricultura", ressalta. O projeto foi promovido em 2014 e contou com o apoio de designers, ourives e empresas. Foi possível extrair pelo menos sete cores por meio da mistura dos minerais extraídos da reciclagem e da técnica de incrustação paraense, também desenvolvida por Paulo, que substitui a esmaltação.
As gemas vegetais foram o destaque da coleção "Digitais da Amazônia", em 2012, lançada por Paulo e Mônica. Elas estão novamente em evidência no Espaço São José Liberto, dessa vez como parte da exposição "Potências Amazônicas: Biodiversidade e Diversidade Cultural na Belém 400 Anos", que pode ser vista até 28 de fevereiro. Um traço em comum das produções coordenadas por ele é a inspiração nas formas da floresta para o formato das peças. 
Em um projeto mais recente, ainda em fase de estudos, ele está criando uma série de "camafeus amazônicos". Inspirado nos adornos que acompanham as mulheres desde a Grécia antiga, Paulo quer retratar as lendas regionais em peças orgânicas com pigmentos e resinas naturais. "A sustentabilidade é a principal característica do nosso trabalho e um dos maiores desafios do setor, ainda mais quando se fala em Amazônia, que perpetua uma tradição de crenças que envolvem o respeito à natureza", diz o pesquisador.

segunda-feira, 17 de abril de 2017

Universitários mobilizam comunidades

*Publicado na página de Responsabilidade Social, no jornal O LIBERAL de 02/06/2016

BRENDA PANTOJA
Da Redação


Trabalho multidisciplinar, envolvimento com comunidades locais e empreendedorismo social são as maiores marcas do programa Enactus, uma organização internacional voltada para universitários, professores, empresários e executivos que acreditam na mobilização da juventude. Equipes de todo o Brasil vão se reunir no Campeonato Nacional, marcado para o mês que vem em Fortaleza (CE), para compartilhar experiências e disputar uma vaga na etapa mundial.
No Pará, os times estão se preparando para apresentar dezenas de projetos regionais, que prometem não só gerar impacto positivo para populações carentes, mas também contribuir para fortalecer uma rede de futuros profissionais comprometidos com uma visão mais sustentável.
Neste ano, a organização decidiu abrir ao público o evento que reúne as equipes Enactus do país inteiro. A ideia é alcançar mais pessoas e divulgar a iniciativa também para estudantes e docentes do ensino médio, que poderão conhecer trabalhos baseados nos pilares social, econômico e ambiental, voltados a empoderar e solucionar problemas específicos da sociedade. O evento é gratuito, mas as vagas são limitadas e as inscrições estarão abertas até o dia 30 deste mês no site www. enactus.org.br/campeonatonacional/ inscreva-se.
O time da Universidade Federal do Pará (UFPA) sentiu o gostinho da vitória no ano passado, quando foram premiados a Liga Rookie do Campeonato (modalidade para os projetos com menos de um ano). O projeto “Cíclica” deu o título a eles, que esse ano concorrem na liga principal, e consiste em organizar e fortalecer o trabalho dos catadores de lixo que atuam no Centro de Triagem (CT) do canal São Joaquim, no bairro de Val-de-Cans, alguns oriundos do fechamento do Lixão do Aurá. Os acadêmicos aplicam o conhecimento de diversas áreas para empoderar os catadores e torná-los agentes ambientais,gerando emprego e renda a partir da sustentabilidade.
São cerca de 30 catadores vinculados à Associação de Catadores de Coleta Seletiva de Belém (ACCSB), sendo que 58% do público é masculino e a faixa etária é entre 18 e 63 anos. Os integrantes Enactus UFPA formulam estratégias para melhorar o processo da triagem, ensinando técnicas de gestão interna, estudando a logística da coleta e a cadeia produtiva, buscando um comprador final que valorize mais o produto. O líder da equipe e acadêmico de Geologia, Rosinaldo Silveira, 24, detalha os objetivos nas três esferas que embasam o programa.
“Ambientalmente, o projeto visa ampliar e otimizar essa rede de coleta de resíduos, tirando esse material poluente da rua. Economicamente falando, nossa meta é aumentar a renda mensal deles, que hoje gira em torno de R$ 500 para R$ 880. No lado social, identificamos que a maioria dos catadores não tem ensino médio e alguns não sabem ler. Queremos agir nesse âmbito também, promovendo educação para eles”, explica.
A diretora de Projetos e estudante de Direito Érica Rodrigues, 20, lembra que a aproximação com a comunidade exigiu certo tempo, mas respeitar a autonomia deles foi fundamental para ganhar a confiança e conseguirem trabalhar juntos.
Uma das vantagens, segundo ela, é que a associação é bem organizada juridicamente e isso já garantiu alguns avanços antes mesmo da equipe entrar com a assistência. “Recentemente, eles ganharam uma cozinha e material de escritório, além de estarem participando de um edital nacional que os premiará com R$ 10 mil se fizerem algumas adequações no CT até o fim do prazo”, conta. Érica diz que os catadores estão conseguindo cumprir as exigências do edital e já fazem planos para o valor previsto como recompensa.
O desejo é aplicar a quantia na compra de mais maquinário, como uma prensa manual com capacidade superior a 180 quilos ou um triturador. “Atualmente estamos adequando o espaço para melhorar a prevenção de incêndio, orientando sobre equipamentos de proteção individual (EPIs), gestão de documentos, transparência e igualdade de gênero, entre outras ações”, acrescenta. A entidade dispõe de dois caminhões coletores e o time Enactus, ao lado dos catadores, está mapeando locais que disponibilizem materiais com maior valor agregado.
“Não adianta fazer eles reunirem, no fim do dia, uma enorme quantidade de material que vai aumentar o trabalho de triagem e não tem tanto valor comercial. É preciso pensar no que é melhor revendido e pode gerar um saldo mais positivo”, reforça. Em março, os associados passaram por uma capacitação no manuseio de lixo eletrônico, promovida pelo Instituto Gea, de São Paulo, e intermediada pelo time Enactus UFPA. De acordo com Érica, a triagem desses resíduos é um diferencial em Belém e os catadores tem um comprador de Manaus interessado nesse tipo de carregamento.
O time da UFPA tem 29 membros e 9 deles estão diretamente envolvidos com o “Cíclica”. O restante é responsável pelas áreas de marketing, consultoria, planejamento, estudo de viabilidade para outros projetos que devem ser lançados ainda neste ano. Uma das ideias em análise é o “Feira Sustentável”, que vai capacitar feirantes de bairros periféricos. “Participar dessa iniciativa é uma experiência incrível. Sempre gostei da ideia de viver a universidade além dos muros, sempre tive foco multidisciplinar e o Enactus é justamente isso. É muito gratificante unir pessoas de diferentes saberes com o mesmo objetivo, buscando um resultado que vai beneficiar outros”, diz Érica.

Capacitação é fundamental para sucesso de empreendimentos sociais

O termo “ibiratã” vem do tupi-guarani e significa “madeira forte”. Foi o nome que o time Enactus da Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra) escolheu para o projeto carro-chefe deles. Há pouco mais de um ano, os integrantes investem no planejamento de ação e na sensibilização da comunidade que forma a Cooperativa de Catadores de Materiais Recicláveis Visão Pioneira de Icoaraci (Cocavip). A proposta é capacitar e melhorar a geração de renda para 20 homens e mulheres, diretamente, dando outro destino aos paletes (estrados de madeira utilizados para movimentação de caixas em mercados).
A líder do time, Victória Terasawa, 18, estuda Engenharia Ambiental e pontua que os paletes de madeira são comumente descartados por empresas e indústrias da Região Metropolitana de Belém (RMB) e muitas vezes são queimados, poluindo o meio ambiente. Através de treinamentos, os catadores poderão produzir móveis, reutilizar outros materiais e ter um ganho bem maior do que R$ 0,30 por um quilo de ferro, por exemplo. A mobília produzida com baixo custo também será acessível a pessoas de baixa renda.
Composto por 41 estudantes, o time avalia parceria com o Curro Velho para a realização das oficinas. “Eles têm um certo receio de investir em uma nova atividade e nós estamos respeito o processo de decisão dos cooperados. Até porque nosso desejo é seguir trabalhando com eles, ensinar mais sobre empreendedorismo sustentável e futuramente ajudar na melhoria da creche que eles mantêm”, adianta
Victória. A expectativa é que dentro de mais um ano eles estejam produzindo e lançando uma linha de móveis e o projeto foi contemplado no edital de financiamento da Ford College Community Challenge.
A professora Natália Barbosa é a conselheira do time e destaca outros dois projetos em andamento. Na escola estadual Almirante Tamandaré, no bairro da Marambaia, colocaram em prática desde fevereiro o projeto “Geração Sementes do Amanhã”. São atendidas 300 alunos entre o 1º e o 5º ano do ensino fundamental. Os pequenos estão aprendendo a cultivar hortas orgânicas e aprendendo sobre cuidado com o meio ambiente, benefícios de uma boa alimentação e combate ao desperdício. Cerca de 200 mudas estão plantadas no colégio e na UFRA, de hortaliças, tubérculos e plantas frutíferas.
O mais recente é o projeto “Aquarela”, que vai beneficiar os moradores das comunidades afetadas pelo naufrágio da embarcação com cinco mil bois em Barcarena, em outubro do ano passado. “Ainda
não podemos dar muitos detalhes, pois envolve a patente de um produto novo, mas o foco é melhorar a qualidade de vida desses habitantes, que foram profundamente atingidos. O consumo de água, a pesca e o turismo sofreram grande impacto”, resume a professora. A equipe está animada para expor os três cases no Campeonato Nacional, mesmo que estejam em fase inicial, pois consideram o feedback dos jurados de grande ajuda.
O Pará conta com nove times em universidades públicas e privadas principalmente na capital e em Santarém, segundo o coordenador regional do Enactus Diego Lins, 24, formando em Engenharia Ambiental pela Ufra. “O envolvimento tem crescido a cada ano e os projetos estão se consolidando, gerando uma competição saudável e resultados expressivos, com grupos avançando no campeonato e,
mais importante, promovendo transformação social”, afirma. A pluralidade cultural e as carências da região contribuem para uma ampla possibilidade de projetos.
Caio Moura, gerente do programa Enactus Brasil, salienta que “os empreendedores sociais na Amazônia que recebem o estímulo da Enactus Brasil aceleram o processo de mudanças e inspiram outros atores a se engajarem em torno de uma causa comum, engajados na busca por tendências e soluções inovadoras para desafios sociais e ambientais”. O evento nacional incluirá o I Simpósio de Empreendedorismo Social Enactus Brasil e os interessados em participar podem submeter artigos para serem apresentados em forma de banner até dia 20 de junho, pelo site www.enactus.org.br. Neste ano, serão 48 projetos apresentados representando 48 universidades de 14 estados brasileiros.

quinta-feira, 13 de abril de 2017

Chefs levam receitas às comunidades

*Publicado na página de Responsabilidade Social, no jornal O LIBERAL de 26/05/2016

BRENDA PANTOJA
Da Redação

A cozinha é um lugar inspirador que estimula a criatividade e a agilidade dos amantes da culinária, seja em um restaurante renomado ou em um ambiente doméstico. Representantes da gastronomia profissional se encontram, hoje e amanhã, com moradores de comunidades atendidas pelo projeto Pro Paz nos Bairros para trocar experiências no evento “Chefs na Comunidade”. A atividade faz parte do 14º Festival Ver-O- Peso da Cozinha Paraense e vai contar com quatro chefs convidados que darão aulas para pessoas interessadas no tema. A proposta é ensinar a um público de baixa renda algumas técnicas de melhor aproveitamento de alimentos, novas receitas e até dicas de empreendedorismo.
Testar diferentes combinações de ingredientes e temperos ou preparar um prato especial com carinho para a família é muito gratificante para a dona de casa Maria Auxiliadora Barros Maciel, de 41 anos. Moradora do bairro do Guamá, ela vai participar das aulas e já está ansiosa para colocar em prática tudo o que aprender. “A culinária faz parte do meu trabalho porque trabalhei em casa de família por muitos anos. Agora estou afastada há uns dois meses para cuidar da saúde, mas ficar parada me deixa meio triste e preocupada. Participar desse evento vai ser ótimo para desenvolver minhas habilidades”, comenta.
A programação será realizada no polo do Pro Paz no Mangueirão e ela soube da oportunidade através do filho, que participa das atividades do projeto no bairro onde moram. “Meu filho me inscreveu porque achou que seria interessante para mim. Sempre gostei de cozinhar, sei fazer refeições, doces e salgados. É muito bom aprender mais, hoje em dia quem tem experiência além do básico na cozinha pode encontrar muitas portas abertas”, acrescenta. Maria demonstra a aptidão pela área na montagem dos pratos e na higiene no manuseio dos alimentos. “Me ensinaram que as pessoas comem primeiro com os olhos. Para quem trabalha como empregada doméstica, é preciso ser criativa e rápida para não perder muito tempo só cozinhando”, diz. Ela também pensa em aproveitar o contato com os chefs para tirar várias dúvidas e planeja usar os dotes culinários para garantir uma renda extra. “Em breve, quero investir na venda de alimentos. Estamos querendo comprar um carro, onde vou vender lanches e café da manhã. Para isso, pretendo tirar a carteirinha de manipulação e fazer tudo certo”, afirma.
A chance de participar das oficinas a deixou com vontade de pesquisar mais sobre o assunto, o que vai ser útil inclusive na hora de seguir uma dieta mais equilibrada, pois ela foi diagnosticada com diabetes recentemente. No bairro do Tenoné, a dona de casa Shirley de Oliveira, 29, também tem boas expectativas para o “Chefs na Comunidade”. Com os ensinamentos que recebeu da avó, da mãe e das tias, ela pegou gosto pelo ato de cozinhar e faz diariamente, com amor, a comida que vai para a mesa da família. 
Além de ter trabalhado por algum tempo como empregada doméstica, Shirley cultiva a ideia de reunir outras mulheres do bairro para montar uma cooperativa de cozinheiras ou trabalharem juntas na venda de refeições. “Vejo essa possibilidade porque sabendo cozinhar direitinho, dá para vender bem. Ainda não é um projeto formado, mas acho que é uma boa ideia e quem sabe depois dessas aulas outras mulheres não se animam?”, completa. A conversa com os profissionais vai ajudá-la a repensar hábitos e encontrar alternativas de consumo. “Eu tinha o costume de fazer sobremesa para comer depois do almoço, mas tivemos que diminuir isso porque está tudo muito caro. Antes eu comprava os ingredientes para fazer doce e estocava, hoje em dia só compro em ocasiões especiais”, conta.

SEM DESPERDÍCIO
O visionário chef Edinho Amado, mineiro radicado na Bahia, participará do evento com uma aula intitulada “Não desperdice nada” e é convidado do festival pela primeira vez. “Estou curioso para conhecer Belém e discutir gastronomia não só com pessoas que estudam o assunto, mas com a comunidade no geral. Vou ensinar algumas receitas, sempre buscando usar produtos que não são utilizados comumente e aproveitar integralmente os ingredientes”, explica. Cascas em geral, caroço de jaca e coração de bananeira são alguns dos itens que o chef usará como exemplo.
Para ele, é desnecessário se prender a poucos ingredientes e se dar ao luxo de desperdiçar sobras que podem compor pratos saudáveis e gostosos. “Precisamos pensar de forma mais atual. Vários chefs já falam em aproveitar os animais de cabo a rabo e podemos fazer o mesmo com hortaliças e frutas”, defende. 
O reconhecido chef Carlos Kristensen, do Rio Grande do Sul, é um dos maiores defensores e divulgadores dos ingredientes gaúchos no Brasil. Durante a atividade, ele vai conversar com os participantes sobre a valorização da cultura tradicional. “Vou falar sobre o projeto Internacionalmente Local,  que realizamos há cinco anos no Sul. A ideia é trabalhar com os pequenos produtores, fortalecendo o modo tradicional de fazer, o saber popular, para que as próximas gerações não percam esse conhecimento e essa técnica. Ao fazer esse resgate, queremos ter ingredientes melhores para quem produz, quem cozinha e quem come”, explica. Ainda segundo ele o debate engloba preços justos e agregação de valor aos produtos, uma discussão com a qual a população da região amazônica também pode se identificar. 
Kristensen ressalta que é importante conscientizar sobre a preservação de aspectos históricos, sociais e culturais da gastronomia. “Falar sobre isso com a comunidade é muito legal porque na correria do dia a dia, é fácil esquecer desses aspectos. Trouxe produtos para os participantes degustarem, vou falar de técnicas de preparo tipicamente gaúchas, vai ser uma troca muito boa”, conclui. O evento terá a presença do chef Rivandro França, que era técnico de enfermagem antes de investir na gastronomia. Ele começou vendendo bombons recheados com sabores do Nordeste e hoje comanda um dos restaurantes mais disputados de Recife. 
O chef Agenor Maia, do Distrito Federal, que tem vasta experiência com a cozinha contemporânea sem deixar de lado as bases culinárias adquiridas com a avó, também ministrará uma aula.

Festival abre espaço para a valorização dos empreendedores locais

Joanna Martins é a diretora executiva do Instituto Paulo Martins, realizador do Festival. Ela destaca que o “Chefs na Comunidade” integra há pelo menos quatro edições a programação intensa. De acordo com ela, o objetivo é que sejam aulas com ideias de receitas inovadoras e de baixo custo. “Nossa intenção é que os participantes utilizem o conhecimento adquirido para geração de renda mesmo. Queremos ensinar e inspirar. A gastronomia, acima de tudo, é comida feita com cuidado e não depende de ingredientes requintados, isso é nítido nas nossas visitas às comunidades”, ressalta.
As aulas quebram um pouco da “glamourização” da cozinha e mostram que é uma boa oportunidade de trabalho, ainda mais com o mercado local precisando de profissionais qualificados. Esse é o primeiro ano em parceria com a Fundação Pro Paz, mas a atuação com o público de baixa renda faz parte da missão do Instituto, que promoveu um curso de capacitação no ano passado e pretende abrir nova turma ainda esse ano. Ao todo, 200 pessoas vão integrar as turmas no polo do Mangueirão e o Pro Paz convidou os chefs paraenses Artur Bestene e Jeferson Medeiros para complementar o dia de aprendizado com um bate-papo sobre empreendedorismo, compartilhando cases de sucesso.
O presidente da Fundação, Jorge Bittencourt, acredita que o evento pode incentivar a economia local e o crescimento de pequenos empreendedores. “Muitas pessoas têm talento, às vezes vendem comidas em casa ou pequenos estabelecimentos, mas não tem os conhecimentos básicos de como fazer o negócio prosperar. Estamos trazendo pessoas que assim como elas, começaram de algum lugar e hoje conseguiram crescer e se tornar grandes chefs”, reforça. As aulas serão ministradas exclusivamente aos participantes inscritos previamente por meio do Pro Paz.
No entanto, o festival terá outras programações com viés social abertas ao público. Dois jantares magnos serão realizados nesta semana, mas já estão com ingressos esgotados. Chefs regionais e nacionais criaram pratos especialmente para os jantares e parte da renda arrecadada com a venda de ingressos será revertida para o Instituto Criança Vida. Um dos destaques do Ver-o-Peso da Cozinha Paraense é o Jantar das Boieiras, momento em que os chefs convidados e as boieiras (vendedoras de refeição do mercado) trabalharão em duplas para elaborar os pratos, em um verdadeiro intercâmbio gastronômico.
Realizado há 10 anos, o Jantar tem sido uma excelente chance de aprendizado para Roseane Gomes da Silva, 41, que participa há seis edições. Ela trabalha vendendo refeições no Ver-o-Peso há mais de 20 anos, atividade que aprendeu com a mãe. “O festival me tirou da minha zona de conforto e me abriu várias portas. Através do Instituto fiz um curso de iniciação culinária e posso dizer que saí de lá uma cozinheira muito melhor. Todo Jantar das Boieiras é uma experiência única”, relata. As receitas dela já foram consideradas as melhores do evento por duas vezes e ela está confiante no prato desse ano, pirarucu em camadas com jambu e batata, para conquistar um terceiro título.
Hildely Porpino, a Tieta, 56, é boieira há mais de três décadas e também estará no Jantar pela sétima vez. Vatapá de açaí e arroz paraense com creme de pupunha são algumas de suas criações. Para ela, o evento contribui para divulgar a cultura local para os próprios moradores de Belém. “Tem gente que vive aqui e não vem prestigiar a culinária no Ver-o-Peso. O festival é o momento de maior reconhecimento para nós, é quando a gente sente orgulho do nosso trabalho. É uma grande responsabilidade e um privilégio apresentar os sabores regionais para os chefs de fora. Participar do festival nos estimula a criar, a sempre melhorar. É muito enriquecedor”, declara.
Os chefs Edinho Amado e Carlos Kristensen irão cozinhar no Jantar das Boieiras. “Estou feliz de trabalhar junto com as boieiras e louco para conhecer tudo que Belém tem a oferecer em termos de sabores”, anuncia Amado. “Já sei que a receita da boieira que será minha dupla vai ser isca de carne acebolada. Para acompanhar, eu trouxe na mala o feijão crioulo do Rio Grande do Sul para fazer um mexido, temperado com carnes secas e puxado com farinha de mandioca. Estou animado para esse momento especial”, complementa Kristensen.

quarta-feira, 5 de abril de 2017

União fortalece a Fazenda da Esperança

*Publicado na página de Responsabilidade Social, no jornal O LIBERAL de 19/05/2016

BRENDA PANTOJA
Da Redação


O ritmo de vida é diferente na Unidade Nossa Senhora de Nazaré da Fazenda da Esperança, localizada em Mosqueiro, na Região Metropolitana de Belém (RMB). Cercado de vegetação, o espaço abriga homens que buscam tratamento para se livrar do álcool e das drogas. Trabalho não falta na Fazenda, que funciona há um ano e meio e tem 14 acolhidos e quatro voluntários. Aos afazeres, somam-se a espiritualidade e a convivência. Estes três elementos são os pilares do projeto Fazenda da Esperança, vinculado à Igreja Católica e com polos espalhados pelo Brasil e pelo mundo. 
O modelo é pensado para ser autossustentável e a unidade de Mosqueiro está caminhando para alcançar esse equilíbrio. No começo do mês que vem, será iniciado o cultivo de alface hidropônica e a expectativa da produção é de seis mil pés por mês, que serão distribuídos para redes de supermercados da cidade. Além disso, os moradores fazem biscoitos, óleos naturais, camisas e outros itens para serem vendidos pelas famílias, que não pagam mensalidade. A renda da comercialização é revertida para o projeto. Eles consomem também aquilo que é produzido dentro da área de 84 hectares, através da horta e da criação de animais.
A Fazenda está em constante progresso. Três casas, cada uma com capacidade para 14 acolhidos, foram construídas e a quarta está em obras. Ainda serão erguidos dois galpões, cuja estrutura completa foi doada, onde ficarão refeitórios, cozinha industrial e espaço para oficinas de marcenaria e trabalhos manuais. O Pará tem outras cinco Fazendas, implantadas em Bragança, Abaetetuba, Óbidos, Tucumã e Redenção. O objetivo é chegar a ter capacidade para atender 90 pessoas, de acordo com o diácono Leandro Guerra, vice-presidente da unidade. 
Ele explica que o arcebispo metropolitano de Belém, dom Alberto Taveira, presidente da Fazenda Nossa Senhora de Nazaré, foi quem convidou a iniciativa para se instalar em Belém. A Igreja tem papel fundamental na mobilização da sociedade civil na colaboração com as obras sociais e na conscientização de que os vícios são um grave problema social, pontua o diácono. Com o intuito de cooperar nessa articulação, foi criado o Grupo Amigas da Esperança, que reúne mais de 20 mulheres e profissionais de diversos setores para serem voluntários e contribuírem com ajuda financeira ou doando seu tempo.
A próxima ação será a Tarde Alegre, evento programado para ocorrer duas vezes ao ano e que reúne centenas de convidados em prol do fortalecimento da Fazenda. A ação será no dia 23, às 16h30, na Casa de Plácido, em Belém. Serão sorteados vários prêmios e compartilhados relatos de alguns acolhidos.

Voluntários se dedicam ao trabalho de tornar real o sonho da libertação

Na unidade, vivem voluntários que já passaram pela comunidade em outros estados e decidiram se dedicar integralmente ao trabalho de cuidar daqueles que buscam abandonar a dependência química. São pessoas como João Pedro Santos do Carmo, de 39 anos, e Júlio Silva, de 30, que têm um papel muito importante no acompanhamento dos acolhidos, pois já passaram pelo período mínimo de um ano de tratamento.
Após duas internações na comunidade terapêutica, em 2009 e outra em 2012, João Pedro escolheu deixar família e emprego em Manaus e trabalhar integralmente na Fazenda, até que veio o convite para apoiar a implantação da unidade de Mosqueiro, da qual hoje é coordenador. “Estou fazendo o que um dia outras pessoas fizeram por mim. Como não trabalhamos com remédios, é fundamental que as pessoas cheguem com força de vontade para mudar e aceitar tudo que é plantado no coração: humildade, esforço, respeito e relacionamento com Deus”, comentou.
O chamado social de se envolver na obra não foi ignorado por Júlio, natural de Pernambuco. No entanto, diferente de muitos voluntários, que precisam viver longe da família para cumprir a missão, ele está trabalhando na Unidade Nossa Senhora de Nazaré acompanhado da esposa e dois filhos. Segundo ele, foi na Fazenda da Esperança de Garanhuns, em 2010, que ele conseguiu se libertar das drogas, que consumia desde os 14 anos. “O vício me tirou tudo o que eu tinha conquistado, mas consegui me recuperar depois de um ano dentro da Fazenda e dois anos em contato com os grupos de apoio Esperança Viva”, relatou.
A filosofia agradou Mislaine Silva, de 27 anos, que passou a ter mais contato com um estilo de vida mais simples, voltado para o trabalho, a partilha e a espiritualidade. Por causa dessa identificação, ela não hesitou em acompanhar Júlio quando a família foi chamada para trabalhar em uma unidade no Acre, dois anos antes de virem para a capital paraense. “Viver a vida interna na Fazenda, ainda mais como voluntários, é estar com o coração aberto para o novo, querer recomeçar. O que me atraiu foi esse jeito de levar a vida, de resolver nossos conflitos pessoais e de se relacionar com os outros. Aqui me sinto um pouco mãe dos meninos que acolhemos também”, afirmou.
O casal está na unidade há quatro meses e tem um filho de 8 anos e uma filha de 1 ano e 8 meses, que estudam em uma escola próxima. Ela está fazendo um curso superior à distância de Serviço Social e Júlio está coordenando o projeto de cultura de alface, entre outras atividades diárias. “É um novo estilo de conduzir a família, mas a experiência da Fazenda nos ajuda a lidar melhor com os problemas, além de influenciar positivamente na criação dos filhos. Está sendo muito proveitoso. Com os acolhidos, estamos tentando criar laços de família e mostrar a eles um novo caminho, porque a Fazenda é isso”, ressaltou Júlio.

Rotina diferenciada muda visão de mundo e enche acolhidos de otimismo

Por quase 30 anos, Jocildo Pessoa, de 47 anos, manteve o hábito de consumir álcool e drogas. O vício  levou ao fundo do poço, mesmo tendo construído carreira como marítimo e guia turístico em Manaus. O medo de perder o amor das filhas e a vontade de mudar foram as principais motivações para aceitar ir para a Fazenda no ano passado. “Cheguei a dormir em um papelão, em um carro velho na rua, empurrava carrinho de mão pra ganhar pouco dinheiro e gastar tudo em bebidas. Até a minha inscrição na Fazenda eu fiz enquanto estava bêbado”, recordou, feliz de poder dizer que esses episódios fazem parte do passado.
Jocildo concluiu o primeiro ano de tratamento, mas optou por passar mais alguns meses no sistema, dessa vez como voluntário em Belém. “Foi um lugar que me proporcionou descobrir o amor ao próximo de verdade. A Fazenda nos dá oportunidades, basta querer. Quando estava no acolhimento, aprendi a mexer com sonoplastia, a plantar e colher urucum, fiquei responsável por uma equipe de padeiros... Fiz várias coisas que pensei que não era capaz de realizar, exercitei o trabalho em equipe e a convivência, que é o mais difícil. Hoje em dia, a minha mente é muito mais aberta”, acrescentou.
Além dos horários de trabalho durante a manhã e à tarde, os moradores da Fazenda da Esperança desfrutam de reuniões de leitura e discussão da Palavra, grupos de apoio e atividades de lazer, mas não têm acesso a televisão e celular. Essa rotina tem plantado otimismo no coração de Ronaldo Teixeira, de 53 anos, que está há dois meses na unidade. Ele experimentou cocaína pela primeira vez aos 22 anos e desde então teve dificuldades para largar as drogas. “Já passei por outras instituições, mas a Fazenda tem a melhor proposta de caminhada que já vi. Estou indo muito bem e estou esperançoso de que terei uma mudança concreta”, contou.
Para garantir a reinserção dos acolhidos no mercado de trabalho, são realizados cursos através de parcerias, como o de horticultura com a Federação da Agricultura e Pecuária do Pará (Faepa) e de operação de trator com o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar). Outros apoiadores da Fazenda são o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), Ministério Público do Trabalho (MPT), Banco da Amazônia, Prefeitura de Belém, Secretaria de Estado de Assistência Social, Trabalho, Emprego e Renda (Seaster), Polícia Civil e Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), com doação de madeira.
“É muito relevante a conscientização da sociedade como um todo, uma vez que a Fazenda traz um impacto muito grande que envolve núcleos familiares e comunidades. Precisamos muito do apoio de empresários e profissionais, doando materiais de construção e com atuação voluntária. Depois dessa parte intensa de construção das casas, vamos focar em aumentar o time de voluntários”, diz Naiá Guerra, que integra o Grupo Amigas da Esperança. 
A Fazenda da Esperança calcula que o índice de recuperação entre os acolhidos que completam o tratamento, no Brasil, gira entre 60% e 80%. Os fundadores Frei Hans Stapel e Nelson Giovanelli iniciaram o trabalho há 30 anos na cidade de Guaratinguetá (SP). Hoje já são 104 unidades em 16 países.