terça-feira, 3 de janeiro de 2017

Economia feita de talentos criativos

*Publicado na página Responsabilidade Social, no jornal O LIBERAL de 24 e 25/12/2015

BRENDA PANTOJA
Da Redação

As sementes, fibras e escamas que compõem as peças de artesanato regional, desenvolvidas pela criadora e acadêmica Carmen Américo, carregam uma carga bem mais forte do que apenas embelezar quem as usa. Alinhados com o conceito de economia criativa, os acessórios também trazem a importância da preservação da floresta e da inclusão social de comunidades do interior. Esta atividade econômica, que se alimenta dos talentos criativos que se organizam individual ou coletivamente para produzir bens e serviços, está em expansão no Brasil, crescendo acima da média nacional de outros setores. Ela movimenta R$ 126 bilhões por ano em riquezas e é um mercado de trabalho que cresceu 90% em dez anos, empregando quase 900 mil pessoas. 
Os dados são do ano passado, divulgados pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan). Na Região Amazônica, tão rica culturalmente e com tanta desigualdade social, a economia criativa pode ser uma forte ferramenta de inclusão. A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) definiu seis setores criativos nucleares, que se desdobram em pelo menos 26 atividades associadas. São eles: patrimônio natural e cultura; espetáculos e celebrações; artes visuais e artesanato; livros e periódicos; audiovisual e mídias interativas; e design e serviços criativos. 
O Espaço São José Liberto, que abriga o Polo Joalheiro do Pará, atua em diversos segmentos criativos e impulsiona o trabalho e a profissionalização dos empreendedores que apostam na ligação do produto com as raízes culturais. No trabalho de Carmen Américo, 38, há ainda o desejo de transmitir uma consciência política aos envolvidos. Ela se divide entre Belém e Mocajuba, distantes cerca de 230 km, pois precisa estar na capital por causa do doutorado em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade Federal do Pará (UFPA), mas é em Mocajuba que desenvolve o projeto “Amazônia e Cia”.
Em quatro anos, Carmen formou 54 pessoas, além de firmar parcerias com fornecedores de matéria-prima da comunidade e até do estado do Acre. As biojoias começaram a ser elaboradas dentro do projeto e agora ela lançou a marca Carmen Américo Criações, que atua em parceria com os artesãos e artesãs que passaram pela capacitação. “A ideia é casar a sustentabilidade ambiental, a necessidade real das pessoas de uma fonte de renda e a oferta de recursos. Existe um potencial não explorado baseado no valor estratégico que a própria Amazônia tem”, afirma.
As sobras orgânicas da floresta são o principal material usado por Carmen, que acredita que as peças artesanais atingem um nicho de mercado preocupado com a produção sustentável. “Em 2010, comecei a visitar as áreas rurais e as periferias da cidade, que se expandiram consideravelmente desde a década de 80, mas o emprego e renda não cresceu na mesma proporção. O projeto surgiu baseado nessa lacuna”, conta.  A preocupação principal da atividade, define Carmen, é com as pessoas. Com o apoio do Serviço Brasileiro de apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), ela levou treinamento para jovens e adultos, que aprenderam as técnicas de confecção das biojoias.
É por investir nesse formato, explica Carmen, que os produtos carregam valores de outro modelo econômico, um mais centrado na pessoa e na economia solidária. A ideia é formar multiplicadores, homens e mulheres, que possam reproduzir as oficinas e fortalecer uma rede de produção. “Além disso, ao desenvolverem esse ofício, muitas mulheres podem trabalhar em casa. Na região, é comum que as mães não possam trabalhar fora por causa dos filhos. Fazer as biojoias é uma forma de empoderar elas. Nossa ambição é que elas se articulem socialmente no futuro para mudar a sua realidade”, pontua. 
Ela defende que a mente humana é a grande força motriz da economia criativa, que também tem nos elementos culturais um aspecto muito forte. O maior desafio de Carmen e da equipe é criar coleções que agradem o público local, pois a aceitação é mais fácil entre os estrangeiros, que tem um fascínio pela Amazônia, enquanto os consumidores daqui dão mais valor ao que vem de fora. Do ponto de vista produtivo, ela aponta a necessidade de organizar melhor as cadeias e de maior investimento do poder público, uma vez que o setor tem a capacidade de se tornar rendável em pouco tempo. “Em um ou dois meses, você consegue formar o artesão e colocá-lo para produzir, desde que tenha mercado. Se não tiver para quem vender, não adianta”, acrescenta.

Gemas vegetais são produzidas a partir de pigmentos da flora regional

Entender que manter a floresta em pé também gera renda é um princípio importante, segundo Carmen, pois fortalece as comunidades locais, beneficia o meio ambiente e continua gerando matéria-prima para diversos segmentos. O mesmo discurso é defendido pelo mestre ourives Paulo Tavares, que desenvolve pesquisas na área de joalheria há 15 anos. A exploração irresponsável de minérios sempre o incomodou e foi o motivou a pesquisar a cadeia de produção, procurando alternativas. Foi assim que ele chegou às gemas vegetais, produzidas a partir de pigmentos da flora regional, combinadas com resina.
Açaí, pimenta, pau brasil, urucum e muitas outras espécies são usadas no processo, descoberto e patenteado por ele. Junto com ouro, prata e outros materiais nobres, as gemas compõem belas jóias. “As gemas são um processo inovador e único, mas o processo ainda é bem artesanal. Nosso próximo passo é organizar comunidades para fazer a coleta da matéria prima. A intenção é gerar renda para as pessoas que precisam , transformar o modelo econômico de algumas localidades”, comenta. O trabalho com as gemas, que já rendeu prêmios internacionais, é fruto da pesquisa de Paulo e as peças são comercializadas pela empresária Mônica Matos, da Jóias da Amazônia.
Para eles, produzir com consciência socioambiental é uma postura que deve ser fortalecida dentro da economia criativa e na sociedade, como um todo. “O que mais falta é investimento [na economia criativa]. Esse tipo de trabalho, como o nosso, está muito ligado aos interiores, com forte carga cultural da floresta. É de onde vem o produto e a inspiração. O consumidor deste produto também é consciente e valoriza o trabalho que há por trás, de proteção ambiental e inclusão social. A 
minha satisfação é saber que o produto beneficiou alguém nas comunidades, que deixaram de derrubar uma árvore porque ela está dando renda”, complementa Paulo.
De acordo com Mônica, a aceitação dos produtos com as gemas vegetais foi surpreendente. “No começo achávamos que só ia interessar aos turistas, mas não. Isso mostra que a cultura do consumo está mudando entre consumidores e produtores. Como empresária, investi porque acreditava e acredito que o mercado da economia criativa ainda pode crescer muito”, reforça. Ela acertou ao apostar nesta tendência, há quase dez anos atrás. Levantamentos da Firjan mostram que o setor pulou de 148 mil empresas, em 2004, para 251 mil empresas em 2013, num crescimento de 69%.

Inclusão social produtiva das comunidades não é assistencialismo

“Empreendedores criativos são uma espécie de guardiões da cultura amazônica”, declara a diretora executiva do Espaço São José Liberto (ESJL), Rosa Helena Nascimento Neves. Ela salienta que a inclusão social produtiva das comunidades da região não deve ser visto como caridade ou assistencialismo, mas sim como elemento de desenvolvimento econômico. “Valorizar esse modelo econômico que foge do tradicional e valoriza o artesanal é uma escolha desses produtores e do governo, não é uma questão de falta de tecnologia industrial”, esclarece.
Ainda de acordo com ela, este posicionamento da economia criativa se baseia em quatro fatores: inclusão social, inovação, diversidade cultural e sustentabilidade. O objetivo do ESJL é integrar estes
princípios e repassar isso aos profissionais vinculados, que são 750 empreendedores de artesanato, 110 ourives, 52 empresas de jóias, 45 empresas de moda e 42 designers. Ainda que o Espaço tenha surgido em 2002 já com a proposta de abrigar setores criativos e categorias culturais, a discussão em torno da economia criativa se oficializou há pouco tempo, ganhando um plano nacional apenas em 2011, montado pelo Ministério da Cultura.
“É um conceito que ainda está em construção, uma modalidade que precisa ser mais valorizada. Ainda mais em um país e uma região como a nossa, que é muito diversa culturalmente. Eu não vejo uma melhor via para o desenvolvimento econômico das comunidades locais que não passe pela inclusão social produtiva”, diz. 

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