domingo, 7 de maio de 2017

Unidade garante a reabilitação infantil

*Publicado na página de Responsabilidade Social, no jornal O LIBERAL de 18/08/2016

BRENDA PANTOJA
Da Redação

Uma vez por semana, o estofador de móveis Cipriano Silva, de 54 anos de idade, sai do município de Muaná, na Ilha do Marajó, e enfrenta em média oito horas de viagem de barco para levar a filha Maria Vitória da Silva, de 7 anos, para as sessões de terapia na Unidade de Referência Especializada em Reabilitação Infantil (URE-REI) e Abrigo Especial Calabriano. São duas instituições que funcionam no mesmo espaço, localizado no bairro do Telégrafo, em Belém, e atendem crianças com deficiências neurológicas. É o caso da menina Maria Vitória, dona de um sorriso doce, que tem paralisia cerebral e faz tratamento na unidade há seis anos.
A unidade atende 280 crianças por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), oferece 13 tipos de terapia e contabiliza entre sete e oito mil atendimentos por mês. O Abrigo Especial tem 41 acolhidos, sendo 19 adultos, que foram encaminhadas pelo Juizado da Infância e da Juventude e Conselhos Tutelares por estarem em situação de abandono ou de vulnerabilidade social. O trabalho é realizado há dez anos, através de convênios renovados anualmente com a Secretaria de Estado de Saúde (Sespa) e a Secretaria de Estado de Assistência Social, Trabalho, Emprego e Renda (Seaster).
Uma equipe formada por cerca de 30 profissionais se desdobra para manter a qualidade do serviço oferecido, mas algumas dificuldades no último ano forçaram mudanças no atendimento. Por causa do alto custo com energia elétrica, a hidroterapia, realizada na piscina aquecida e coberta, precisou ser interrompida durante várias semanas. Em alguns casos, o tempo de serviço também foi reduzido para conseguir abrir vagas para novas crianças mantendo o mesmo quadro de funcionários. Pacientes que antes frequentavam a URE-REI duas vezes por semana e passavam 45 minutos por terapia, agora vão uma vez por semana e as sessões duram meia hora. 
“A minha filha tem todo o atendimento que precisa aqui, uma assistência que não temos em Muaná. O desenvolvimento dela tem sido muito bom. Já engatinha, sobe no sofá, na cama, na rede. É bem ativa e muito inteligente. Conhecemos outras crianças que tiveram o mesmo diagnóstico que ela, mas não tiveram condições de continuar o tratamento e hoje em dia ainda não conseguem levantar a cabeça ou sentar”, conta Cipriano. Pela distância e dificuldade de deslocamento, Maria Vitória não consegue viajar para a capital mais de uma vez por semana e acaba faltando às terapias em algumas épocas do ano.
O pai explica que fica complicado fazer o trajeto nos períodos de seguro-defeso e durante o Círio de Nossa Senhora de Nazaré, pois os barcos saem com a lotação esgotada de passageiros. “É muito desconfortável e ela fica agitada, então a gente também aprendeu a fazer os exercícios em casa, na nossa piscina. Ela estuda em uma escola regular, está na segunda série, gosta de cantar e é o xodó dos irmãos. Tenho fé em Deus que um dia ela vai conseguir andar”, completa.
A dona de casa Maria Maciléia da Silva, de 40 anos, lembra que o filho Rudson da Silva, de 8 anos, só conseguiu andar depois dos quatro anos de idade. Ele também tem paralisia cerebral e o acompanhamento multiprofissional que recebe na URE-REI há dois anos é fundamental para que dê passos cada vez mais seguros. O garoto foi atendido em outras unidades durante seis anos, mas a dificuldade de suporte especializado fez com que o tratamento fosse interrompido por quase um ano. Ela é mãe de outros dois filhos, a família mora à avenida Augusto Montenegro, em Belém, e Rudson tem atividades quase todos os dias da semana, além da escola.
“Há cerca de três meses, o atendimento dele também foi reduzido um pouco na URE-REI, mas ainda trago duas vezes por semana porque não tinha horário para ele fazer tudo só num dia. Para complementar, ele faz natação na UTEES (Unidade Técnica de Ensino Especial), em Icoaraci. Lá também faz o letramento, para ajudar no desempenho escolar”, afirma. Rudson não utiliza cadeira de rodas ou muletas por recomendação médica. Com um sorriso largo no rosto, ele sai da sala de terapia ocupacional andando sozinho em direção à mãe e recebe muitos elogios da terapeuta.
Fã de games, a tecnologia também o ajuda a ler melhor e desenvolver a coordenação motora. “Gosto muito daqui, gosto de ficar na piscina e das sessões de fonoaudiologia. Quando estou em casa, jogo videogame e uso o computador, também tenho joguinhos no celular. Minecraft e The Sims são os meus preferidos”, revela. Ele diz, ainda, que gosta de estudar Matemática e Português e até ajuda os colegas que ficam com dúvidas. Para a mãe, a manutenção da qualidade de atendimento no local é essencial para o progresso do tratamento das crianças.
“Essa unidade de referência sempre teve um diferencial que foi o bom serviço e a frequência de duas vezes por semana. Acho que a tendência deveria ser ampliar e não reduzir essa oferta”, reforça a comerciária Miriam Cecim Pereira, de 39 anos, mãe de Samuel Estevão, de 8 anos, que usa cadeira de rodas e é um menino comunicativo. Ela e o filho, que tem paralisia cerebral, frequentam a URE-REI há quase sete anos e chegaram a ser atendidos em outras unidades. “A vantagem daqui sempre foi a continuidade. Isso impacta o desenvolvimento dos pacientes, com certeza. Em outros lugares, são atendimentos de meia hora, às vezes com intervalo de 15 dias”, relata ela, que assim como outras mães e pais, torcem pela melhoria das condições do espaço.

Abrigo promove 19 adoções de crianças com necessidades especiais

No ano passado, foram registradas 143 adoções de crianças e adolescentes com alguma deficiência ou doença no Brasil. Em 2013, foram apenas 96 adoções. Os dados são da Corregedoria Nacional de Justiça. Desses 143 meninos e meninas adotados, estão 15 com deficiência física e 15 com deficiência mental. No Abrigo Especial Calabriano, em uma década foram concretizadas 19 adoções. O número é positivo, segundo a diretora Soraia Guimarães. O abrigo é o único do Estado que atende esse público, respeitando suas limitações e promovendo a recuperação e manutenção dos vínculos afetivos com a família biológica ou substituta, bem como buscando encaminhamento aos procedimentos necessários em caso de adoção.
“O governo do Estado é um grande parceiro nosso e esperamos nos reunir e conversar para renovar os convênios o mais breve possível, pois assegurar o desenvolvimento dos pacientes e acolhidos é a nossa prioridade”, enfatiza Soraia. Mesmo com a redução do repasse nas últimas renovações dos convênios, ela destaca que a unidade é referência nacional pelo modelo que adota, além de ser referência no Pará na assistência a crianças com microcefalia, autismo e paralisia cerebral. “Temos uma rede de voluntários e empresas parceiras que nos ajudam doando produtos, tempo e carinho, a exemplo do programa de apadrinhamento afetivo do Tribunal de Justiça do Estado”, acrescenta.
De acordo com a psicóloga Brenda Castro, ainda que o abrigo garanta atendimento médico, que tenha acolhidos estudando em escolas regulares e especializadas, e que tenha parcerias para a realização de cursos profissionalizantes como panificação e confeitaria, algumas pessoas não conseguem ser adotadas ou reinseridas no convívio familiar e nem conquistam autonomia. “Tem acolhidos traqueostomizados, que necessitam de fisioterapia respiratória e de atenção constante. Mesmo assim temos adoções. O que a gente percebe é que o quadro de saúde fica em segundo plano quando as famílias conhecem as crianças, eles percebem que isso não justifica não adotar”, pontua.
A área do abrigo e da URE-REI é de 1.100 metros quadrados, com instalações amplas, modernas e acessíveis que incluem piscina, dormitórios, jardins, berçário e salas separadas para cada atividade. Fica localizado à avenida Senador Lemos, 1.431, no bairro do Telégrafo, e o funcionamento é de segunda-feira a sexta-feira, das 7 às 18 horas, e todo sábado pela manhã, quando é a vez dos acolhidos realizarem as terapias e quando as portas são abertas para os voluntários visitarem e interagirem com eles. O telefone para contato é 3244-5714. Na próxima quinta-feira, serão comemorados os 10 anos de funcionamento da unidade. Uma missa será celebrada na paróquia São Raimundo Nonato, à avenida Senador Lemos, às 9 horas.

terça-feira, 2 de maio de 2017

Verdadeira prática do amor ao próximo

*Publicado na página de Responsabilidade Social, no jornal O LIBERAL de 11/08/2016

BRENDA PANTOJA (texto e fotos)
Da Redação

Em uma manhã de sábado com sol forte, as salas do Centro Espírita Trabalho e Solidariedade (Cetrasol), no bairro do Tapanã, estão cheias de pessoas de todas as idades que buscam aprender mais sobre si mesmo e o relacionamento com os outros. As reuniões são realizadas semanalmente há quase nove anos e a instituição atende cerca de 250 pessoas, oferecendo também outras atividades como aulas de cidadania, canto e violão, recreação infantil e ações sociais. Fundada e coordenada por um grupo de amigos voluntários, o Centro caminha para uma década de trabalho com novos projetos em vista. A meta mais urgente é a cobertura da quadra de esportes.
Para a garotada moradora de um bairro localizado na periferia de Belém, onde quase não há espaços públicos de lazer que sejam seguros, o calor escaldante não impede a diversão na quadra do centro. Mesmo assim, os voluntários desejam oferecer mais conforto e melhorar a infraestrutura da sede, que conta com 11 salas de estudo no andar superior e mais 11 salas embaixo, utilizadas pela creche municipal Nosso Lar. Segundo o presidente do Cetrasol, Luiz Lopes, a construção de um centro de profissionalização é um projeto a longo prazo.
Boa vontade, amor ao próximo, trabalho em equipe e planejamento são alguns dos elementos destacados por ele como fundamentais na construção de uma rede de solidariedade. O impacto do trabalho realizado pelo Cetrasol começa de dentro para fora, afirma um dos coordenadores, Júnior Santa Helena. Por meio dessa transformação pessoal, é possível mudar a realidade de muitas pessoas que encontram dificuldades para ter acesso a direitos básicos, como ensino de qualidade, infraestrutura e saneamento, capacitação profissional, lazer e segurança.
A atuação da entidade se baseia na simplicidade e a atenção concedida aos assistidos, que vem não só do Tapanã, mas também do centro de Belém e até da ilha de Cotijuba. Lopes observa que muitos renovam as esperanças e vislumbram novas perspectivas a partir do que aprendem sobre a doutrina espírita, do aconselhamento, da oferta de atividades complementares que ocupam o tempo das crianças e adolescentes e do incentivo ao estudo e qualificação, além de serem beneficiados por ações
pontuais como cortes de cabelo, atendimento médico, bazar e distribuição de brinquedos e cestas básicas. É o caso da família de Kerline da Silva, de 30 anos, que frequenta o espaço com os quatro filhos, sobrinha e marido.
Ela conheceu o trabalho do Cetrasol há sete anos e passou um tempo desempregada, mas hoje é funcionária da creche municipal, além de ajudar como voluntária aos finais de semana. “Os meus filhos começaram a vir ao Centro convidados por um amiguinho, mas eu tinha um certo preconceito. Até que o caçula ficou um pouco doente e eu não tinha condições de levar ao médico. Uma das voluntárias me ajudou e criamos uma relação de confiança”, resume. Depois de três anos, ela fez o curso de evangelizadora e passou a dar aulas na creche que funciona somente aos sábados, para que os pais possam participar das reuniões.
“Tenho esse lugar como a minha segunda casa. Se não consigo vir no sábado, passo a semana triste. Os ensinamentos sobre como se relacionar melhor nos ajudou muito lá em casa. Era algo que precisávamos muito porque a gente não sabia sentar e escutar, então tinha muito grito e era difícil a gente se entender. Nós aprendemos a nos comunicar melhor, não que a gente seja perfeito, mas em comparação a como era antes, já estamos 90% melhor e até a convivência com os vizinhos ficou menos turbulenta”, relata.

LAZER E QUALIDADE
O bairro tem alto índice de violência e ela se preocupa com a segurança dos filhos. “A visita ao Cetrasol é o momento de lazer com qualidade que os meus filhos têm durante a semana. Aqui no Tapanã não tem áreas públicas de lazer, e muitas famílias, com medo, ficam trancadas dentro de casa. Aqui eles se sentem soltos pra brincar e sabemos que estão longe de más influências. O centro só veio ajudar a comunidade local”, afirma. Os filhos e a sobrinha de Kerline têm entre 5 e 13 anos.
Rodrigo Silva, 13, é o filho mais velho e o sorriso largo não esconde a alegria que sente em frequentar o local. Acompanhado dos irmãos e amigos, ele cita as coisa que mais gosta de fazer. “As atividades com cartolina e pintura na sala sempre são legais. Também gosto de praticar esportes como queimada, bandeirinha e vôlei. Aqui a gente aprende a honrar pai e mãe, amar o próximo, não brigar com o irmão, fazer coisas boas...”, conta. Ele também participa da iniciativa “Anjos da Guarda” da Guarda Municipal de Belém (GMB), que é realizado na sede do Cetrasol, onde toca flauta e quando está em casa gosta de assistir televisão e jogar “tacobol” na rua. “Mas a minha mãe não gosta que eu fique muito tempo na rua porque é perigoso”, completa.
O projeto “Anjos da Guarda” é um programa pedagógico da Prefeitura de Belém que, através da Guarda Municipal, ensina regras de conduta social e estimula a cidadania em crianças e jovens no bairro do Tapanã. Atualmente atende em torno de 120 crianças e adolescentes participantes na faixa etária de 7 a 16 anos. Desde a sua criação já beneficiou mais de duas mil famílias e tem sido uma parceria de sucesso com o Cetrasol há três anos. O presidente do Centro explica que a agenda semanal inclui, ainda, palestras sobre a doutrina espírita, abertas ao público toda quarta-feira. Recentemente, eles receberam a doação de um terreno localizado na mesma rua. Lá planejam construir o Centro Profissionalizante do Tapanã, um sonho antigo para beneficiar a comunidade.

O mais importante é saber ouvir e compreender o problema do outro

A enfermeira Larissa Barros, 25, vai às reuniões do Centro há dois anos e o contato com o trabalho voluntário trouxe mudanças positivas para a vida pessoal e profissional. “Casei e fui mãe bem nova, mas sempre tive vontade de ajudar os outros de forma prática, pensei nisso até na hora de escolher a profissão. No espiritismo, a caridade é o principal legado e não se resume a dar comida. Hoje entendo
que também é ouvir e identificar as necessidades do outro e isso começa dentro de casa. Trabalho com funcionários e aqui aprendi a ser mais compreensiva com os problemas dos outros”, diz.
Isis Castro, 15, é estudante e participante ativa do Cetrasol desde os nove anos de idade. Além da evangelização, já fez aulas de violão e participou do projeto da GMB. Para ela, a relação próxima com os voluntários ajuda muita gente “a colocar a cabeça no lugar”. “Vejo muita gente no bairro que precisa de uma conversa, um carinho, um abraço. Admiro muito o trabalho deles, porque são muito solidários. Eu já fui muito ajudada aqui, além de bens materiais, com conselhos. Sinto vontade de ser colaboradora daqui no futuro”, conclui a adolescente, que costuma ir ao centro com cinco irmãos, a mãe e a avó.
Como funcionária da entidade, Cleyse Carneiro, 36, trabalha de segunda a sexta. No entanto, isso não a impede de estar lá todo sábado para ajudar como voluntária. Ela começou a assistir as palestras ano passado, manifestou desejo de ser voluntária e foi contratada há dois meses. A oferta veio na hora certa, pois estava desempregada há algum tempo. Mãe de quatro filhos, ela acredita que o trabalho social traz mais esperança aos moradores. “Quando a gente se sente melhor conosco, consegue lidar melhor com as adversidades, além de ser uma instituição em que muitas mães e pais confiam de mandar os filhos”, avalia.

Para os coordenadores, ainda há muitos desafios para superar

Em anos anteriores, o centro chegou a promover cursos de corte e costura, informática, entre outras turmas, mas a vontade dos coordenadores é consolidar esse projeto. “Pensamos que ainda fazemos muito pouco. Ainda temos muito mais para realizar e muitos desafios para superar. Mas já nos deixa altamente felizes saber que fomos aceitos pela comunidade”, diz Lopes.
Ele espera que o modelo adotado – mais de 30 voluntários, coordenados por sete pessoas – possa encorajar outros grupos a realizarem ações do tipo em outros bairros de Belém, contribuindo para o bem-estar da sociedade. “Não é difícil, precisa principalmente de boa vontade e amor para se articular. Muita gente pensa apenas no dinheiro. A grande sacada é o grupo, as pessoas se unindo. As pessoas contribuem de um jeito ou outro, seja com recurso ou serviço. Em um trabalho voluntário você se realiza, se avalia e se torna alguém melhor também”, comenta.
Junior Santa Helena reforça a importância de fazer com que crianças, jovens, adultos e idosos reflitam “sobre o seu verdadeiro papel enquanto indivíduo na sociedade”. “Aqui temos uma constante troca. Temos ensinamentos belíssimos de pessoas que não tem quase nenhum recurso financeiro, mas praticam a solidariedade. Vemos aqui alguns heróis que saem para vender bombom e sustentar os filhos, mães que estão aqui só acreditando em Deus porque as circunstâncias são muito complicadas, mas nem por isso, deixam de dividir o pouco que tem”, pontua. 
Eles ressaltam que a cobertura da quadra será o complemento de um sonho e vai trazer diversos benefícios. A área foi construída três anos atrás, com apoio de empresários colaboradores. De acordo com Lopes, a quadra se torna inviável de ser usada em uma determinada época do ano por causa das chuvas, além do sol inclemente da Amazônia. “Às vezes deixamos de realizar alguns eventos pelo fato de não ter como receber um público um pouco maior ou fazer alguma atividade que exija uma configuração diferente do que a divisão em salas que temos. A chuva já atrapalhou eventos socais também”, acrescenta Junior Santa Helena.

segunda-feira, 24 de abril de 2017

Tecnologia avança nos rios amazônicos

*Publicado na página de Responsabilidade Social, no jornal O LIBERAL de 28/07/2016

BRENDA PANTOJA
Da Redação

Os rios e as ilhas de Belém são o cenário de atuação do Barco Hacker, projeto de cidadania, tecnologia social e acesso a informação. Com uma proposta inovadora, as ações são realizadas dentro de uma embarcação que leva equipamento eletrônico, especialistas em tecnologia e interessados em intercâmbio cultural. As atividades colaborativas promovidas com as comunidades ribeirinhas têm viés técnico, empreendedor e sustentável e vão desde montar uma trilha do cacau na Amazônia até maratonas para criação de soluções para demandas da população das ilhas.
Em diferentes programações do barco, foram discutidos problemas como a carência na distribuição de medicamentos, formas de tornar a extração de açaí mais segura, identificação de espécies nativas e oficina sobre transparência de dados públicos, entre muitas outras ideias interessantes. A administradora Kamila Brito, 28, é a idealizadora do projeto e colocou o Barco Hacker para navegar pela primeira vez há dois anos. Desde então, mais de 300 viajantes já embarcaram para participar de palestras, workshops e visitas a comunidades.
A iniciativa já foi levada para Manaus, no Amazonas, e a expectativa é que chegue a outras regiões. Para este ano, há mais duas expedições planejadas. A preparação para as atividades começa pelo menos um mês antes, com diálogos com os ribeirinhos para montar a programação e organização de trilhas, conciliando com a rotina da ilha e se preocupando inclusive com as chuvas e a maré, além da articulação de parceiros. O Barco Hacker já reuniu representantes da Wikipédia, do Facebook, empresas de tecnologia e outras instituições de cultura digital e empreendedorismo social.
Kamila conta que a ideia de atravessar o rio e buscar essa integração surgiu na Casa de Cultura Digital do Pará, também fundada por ela, que funcionava como espaço cultural, de consultoria e para soluções em tecnologia da informação. E ela explica o conceito por trás do nome do projeto. “É um barco hacker no sentido de que as rotas seguidas não são as comerciais e também porque quisemos pegar o barco e utilizá-lo para outro fim, que não era o transporte e a pesca, mas sim a criação em um ‘hub’ tecnológico. Ou seja, uma estação de trabalho móvel e experimental”, define.
Ela defende que o projeto tem capacidade de estimular o desenvolvimento da região, proporcionando imersão cultural, turismo de experiência e acesso a tecnologia e informação. “O barco é focado no empreendedorismo, é para tirar as pessoas da zona de conforto e incentivá-las a fazer algo concreto. Uma expedição pode durar dez horas com várias atividades, as coisas ocorrem de forma muito dinâmica no barco”, ressalta. Kamila também destaca que o contato entre viajantes e ribeirinhos ajuda a promover respeito pela cultura e empoderamento dos moradores.
Cada viagem tem um tema e o público é bastante variado. As inscrições costumam ser feitas pela internet, o principal canal de divulgação do projeto. A visibilidade que o Barco Hacker alcançou na rede resultou em contatos de especialistas que querem participar das expedições e em convites para palestras fora do Estado e até do Brasil. Em apenas dois anos, o projeto virou documentário produzido pela EBC sendo exibido em 32 países, matérias em revistas nacionais e destaque no Global Innovation Gathering, evento mundial de inovação na Alemanha onde Kamila palestrou. Pelo trabalho, ela também foi mencionada como uma das mulheres inspiradoras de 2015, na categoria Tecnologia, pelo site Think Olga.

TRILHA
Neste ano, o Barco Hacker sediou dois encontros. O primeiro, em março, foi a Nova Trilha do Cacau na Amazônia, que levou cerca de 80 pessoas a comunidade do Bom Jardim, em Barcarena, para conhecer melhor a cadeia produtiva do cacau de várzea. A trilha estruturada em parceria com os moradores teve duas horas de duração e teve algumas espécies de plantas catalogadas. A programação incluiu, ainda, uma experiência gastronômica proporcionada pelos chefs paraenses Ofir Oliveira e Artur Bestene e a presença de produtores locais de chocolates da Amazônia, como as marcas Nayah, De Mendes, Cacau Way e Kaiporas.
Os representantes falaram sobre os desafios do mercado paraense, empreendedorismo, custos amazônicos de produção e logística de importação, obstáculos a serem vencidos para que os chocolates regionais sejam comercializados por todo o Brasil. Em junho, o tema principal foi a inovação, por meio da Maratona Maker Intel, o primeiro evento do barco voltado exclusivamente para crianças e adolescentes. Durante dois dias, alunos de escolas públicas de Belém, incluindo da Ilha do Combu, assistiram a palestras e usaram a tecnologia para desenvolver equipamentos que podem ajudar na realidade local.
Segundo Kamila Brito, foram dessas jovens mentes que surgiram ideias como um sensor que pudesse ser instalado no açaizeiro para monitorar o amadurecimento do fruto. Isso reduziria o risco de alguém se machucar subindo para verificar, tarefa comum onde a colheita de açaí é uma atividade forte. Outra sugestão foi um sistema que comunicasse quando uma embarcação estivesse de aproximando da casa ou do cais. “Os meninos e meninas disseram que acontece de esperarem por muito tempo na margem a chegada do barco que os leva para escola, da embarcação de algum parente ou ainda de um barco para atravessar para Belém”, diz. 
Um dos principais desafios para a administradora é conseguir apoio do governo e de empresas. “Muitas empresas ainda não prestaram atenção no potencial que esse tipo de projeto tem e quanto isso pode gerar impacto e de retorno para ela, através dos funcionários”, afirma. Ela quer tornar a agenda do Barco Hacker mais constante e diversificar os temas das expedições. Sempre com a mente fervilhando de ideias, Kamila pensa em realizar oficinas de metarreciclagem, que parte do princípio de reutilização de equipamentos e apropriação da tecnologia para a transformação social. Recentemente, o Facebook lançou a campanha #ElaFazHistória, que contará com eventos de capacitação para Mulheres Empreendedoras nas cinco regiões do Brasil e ela foi convidada para palestrar em Belém, que deve sediar o encontro no fim de agosto.

Iniciativa social prioriza a democratização do conhecimento na região

Cláudio Miranda Cardoso, 43, é pastor da Igreja Evangélica Assembleia de Deus, além de coordenador de Relações Públicas da Associação de Moradores, Extrativistas e Pescadores da Ilha do Combu (AMEPI), onde vive há sete anos. Ele acompanhou de perto a realização da Maratona Maker Intel e percebeu que a comunidade ficou empolgada com o projeto. “Foi um projeto diferente do que estamos acostumados a ver, atraiu a atenção de crianças, jovens e adultos, estimulou o raciocínio e o desenvolvimento deles. Por um tempo, os moradores estiveram desconfiados com a chegada de projetos sociais na ilha, mas o Barco Hacker foi uma experiência muito boa e que já aguardamos novamente”, comenta.
Ele considera bastante válida a iniciativa de democratizar a tecnologia em uma região “onde o fornecimento de energia elétrica chegou somente há quatro anos e meio”. Com 480 famílias, a população gira em torno de sete mil pessoas e, embora haja problemas de saneamento e infraestrutura, o uso de celulares, smartphones e tablets se popularizou. “Computadores e notebooks são mais difíceis de manter aqui, pois a energia ainda é instável, mas para a geração mais nova, que já está mais acostumada com os aparelhos eletrônicos, aprender mais sobre tecnologia estimula a aprender mais, a se informar melhor”, observa.
Em tempos de eleição, a informação é a palavra-chave. “Podemos usar a internet para integrar e mobilizar os moradores para cobrarmos os candidatos à prefeitura de Belém sobre as propostas para as ilhas. Queremos, inclusive construir um espaço próprio para receber esses tipos de ações. Esperamos ver mais boas ideias como essa, mas sabemos que para isso precisa ter um esforço conjunto de empresas, governo e pessoas”, complementa.
A parceria com a Intel para a Maratona Maker ainda não acabou. A ação incluiu uma oficina na Fundação Cultural do Pará Curro Velho e se trata, na verdade, de uma competição nacional. As ideias que surgiram no Barco Hacker podem continuar sendo aprimoradas pelos grupos e podem ser inscritas no site www.maratonamaker.com.br até o dia 30 de setembro. Os 50 melhores projetos serão selecionados e receberão um kit para construir um protótipo, com assistência de profissionais via web. Três equipes vencedoras serão selecionadas e ganharão a Innovation Trip: uma viagem para São Paulo com diversas atividades de formação.
A gerente de assuntos corporativos da Intel Brasil, Fernanda Sato, frisa que mesmo os alunos que não participaram dos dias de Maratona, mas tem uma boa ideia tecnológica para resolver problemas da comunidade podem se inscrever. “O nosso objetivo é desmistificar a tecnologia para o público jovem. Levar a Maratona para a região Norte e para os estudantes das ilhas faz com que eles percebam que não precisam ser apenas consumidores e usuários de tecnologia. Também podem desenvolver tecnologia, ver que isso não é algo inalcançável. Também faz com que eles reflitam sobre questões do lugar onde moram e como podem melhorar, se tornando transformadores e não só esperando que o poder público faça algo”, pontua.

Conheça mais sobre o Barco Hacker
Site: www.barcohacker.com.br
Facebook: www.facebook.com/barcohacker
E-mail: capitao@barcohacker.com.br 

quinta-feira, 20 de abril de 2017

A beleza das gemas vegetais

*Publicado na revista Amazônia Viva, nº 55, março/2016 


A floresta amazônica contém uma vasta gama de cores. Uma mesma planta pode apresentar diferentes tonalidades em suas sementes, folhas, frutos e casca. Essa variedade de pigmentos é a principal matéria prima do pesquisador e ourives Paulo Tavares, 53, que desenvolveu as gemas vegetais. 
O pigmento extraído de urucum, açaí, pimentas e várias outras espécies, combinado com resinas naturais e sintéticas, é o que forma uma gema vegetal. Uma vez pronta, ela vai adornar peças de cobre, prata ou ouro para compor joias que não só são inspiradas na Amazônia, como também carregam um pouco dela na sua composição. 
Paulo trabalha como ourives desde os 16 anos e, motivado por uma inquietação com a cadeia de produção do setor, começou a estudar formas de praticar a arte da joalheria de forma mais sustentável. A técnica das gemas vegetais, desenvolvida e aprimorada por ele ao longo dos últimos 15 anos, está em processo de patenteamento e é baseada na redução do impacto ambiental e na valorização da cultura regional. Nascido no Arquipélago do Marajó, a vivência de caboclo contribuiu para essa consciência e conhecimento empírico. "A ideia não é devastar a natureza para obter os pigmentos, mas sim fazer a comunidade entender que manter a floresta em pé também é fonte de renda", afirma.
Em sua oficina, estão espalhadas dezenas de caixas e vasilhas rotuladas com códigos decifrados apenas por ele mesmo, onde estão guardados exemplares de matéria prima que são estudados e catalogados. As gemas podem surgir dos frutos, como cupuaçu, castanha e pupunha ou de ingredientes da culinária local, como o tucupi e jambu, e ainda do uso de cascas e outros elementos das árvores de caimbé, miriti, andiroba, pau-brasil e pau-rosa. Os próprios aglutinantes utilizados são retirados do jatobá e do breu branco, por exemplo.
As possibilidades de criação são enormes para ele e a empresária Mônica Matos, responsável pela elaboração e comercialização das joias, em uma parceria que já dura dez anos. As gemas orgânicas, com dureza semelhante a de uma pérola, podem substituir na joalheria algumas gemas minerais como granada, turmalina e vários tipos de quartzo. "O processo pode demorar de uma semana a meses, pois é bem artesanal, desde a coleta do material até a fabricação das gemas vegetais, através de desidratação e trituração, e das joias. Ao recolher as cascas e frutos, retiramos apenas aquilo que é descartado naturalmente para não prejudicar a renovação da espécie", explica Paulo Tavares.
As primeiras peças fabricadas estão com 12 anos e não apresentam deformidade e perda de cor, asseguram. "Continuamos estudando para aprimorar a técnica e o nosso objetivo é chegar a um produto 100% natural, sem o uso das resinas de laboratório", destaca Paulo. Segundo ele e Mônica, o próximo passo é organizar comunidades para fornecerem a matéria prima, com a intenção de gerar renda para as pessoas que precisam e transformar o modelo econômico de algumas localidades. Somente no ano passado, eles conseguiram plantar mais de 300 mudas de pau-brasil e pau-rosa, ameaçadas de extinção, na Região Metropolitana de Belém. 
O trabalho já rendeu reconhecimento internacional, conta Mônica Matos, que ganhou um prêmio na Itália pelo pingente Curuatá, que representa o invólucro que protege os frutos das palmeiras e também serve de recipiente para o que é coletado na floresta. A peça foi confeccionada em cobre e recebeu uma gema vegetal feita do açaí.  Atualmente, está exposta no Museo del Bijou di Casalmaggiore. 
Ela diz que a aceitação do produto no mercado tem surpreendido, demonstrando que a mentalidade dos consumidores está mudando. "Além do fascínio dos compradores de fora, há uma identificação cultural por parte dos clientes da região. Acho que o produto não deixa a desejar para joias tradicionais, mas sim traz identidade. A Amazônia tem um peso mundial e esse é um produto 100% nosso", pontua.
Ela reforça que tem crescido a quantidade de pessoas que adquirem as joias pela sua forte carga cultural, pois querem usar algo que fale das suas raízes e isso agrega valor à cultura local. Paulo e Mônica integram o programa Polo Joalheiro do Pará, gerenciado pelo Instituto de Gemas e Joias da Amazônia (Igama), e também são procurados por outros produtores da iniciativa, interessados em usar as gemas em suas criações. O design de joias é reconhecido pelo Ministério da Cultura e pela Unesco como um dos setores da chamada economia criativa que pode se tornar uma ferramenta de inclusão social entre populações tradicionais.
Mônica acertou ao apostar nesse mercado, uma vez que levantamentos da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) mostram que o ramo pulou de 148 mil empresas, em 2004, para 251 mil empresas em 2013, num crescimento de 69%. Outro diferencial apontado por ela é que apenas eles dois se envolvem em todas as etapas e "tudo é feito a quatro mãos", incluindo as medidas para evitar o desperdício na oficina de produção.  A água usada no polimento de algumas peças é reaproveitada e até o lixo gerado no espaço tem um destino responsável e criativo. 
"Já apareceram propostas de empresas, mas temos exigências relacionadas ao aproveitamento da floresta e produção limpa. Seria muito fácil vender essa técnica para uma indústria, mas pode virar um produto predador lá na frente. A nossa intenção, desde o começo, era contribuir para um mercado mais consciente", frisa Paulo. Foi a partir dessa preocupação que ele realizou a coleção "Metal-morfose", baseada na reciclagem dos resíduos de metais usados nas unidades produtivas do Polo Joalheiro e em técnicas inovadoras de coloração das peças, por meio de processos químicos. 

RECICLAGEM
O ourives explica que do lixo das oficinas pode se tirar ouro, prata e vários outros metais. "O que antes era jogado na natureza e contaminaria o solo e a água, por conter ácidos pesados, vira novas peças. A terra e os óxidos que sobram desse processo são ricos em nutrientes e se tornam adubo para agricultura", ressalta. O projeto foi promovido em 2014 e contou com o apoio de designers, ourives e empresas. Foi possível extrair pelo menos sete cores por meio da mistura dos minerais extraídos da reciclagem e da técnica de incrustação paraense, também desenvolvida por Paulo, que substitui a esmaltação.
As gemas vegetais foram o destaque da coleção "Digitais da Amazônia", em 2012, lançada por Paulo e Mônica. Elas estão novamente em evidência no Espaço São José Liberto, dessa vez como parte da exposição "Potências Amazônicas: Biodiversidade e Diversidade Cultural na Belém 400 Anos", que pode ser vista até 28 de fevereiro. Um traço em comum das produções coordenadas por ele é a inspiração nas formas da floresta para o formato das peças. 
Em um projeto mais recente, ainda em fase de estudos, ele está criando uma série de "camafeus amazônicos". Inspirado nos adornos que acompanham as mulheres desde a Grécia antiga, Paulo quer retratar as lendas regionais em peças orgânicas com pigmentos e resinas naturais. "A sustentabilidade é a principal característica do nosso trabalho e um dos maiores desafios do setor, ainda mais quando se fala em Amazônia, que perpetua uma tradição de crenças que envolvem o respeito à natureza", diz o pesquisador.

segunda-feira, 17 de abril de 2017

Universitários mobilizam comunidades

*Publicado na página de Responsabilidade Social, no jornal O LIBERAL de 02/06/2016

BRENDA PANTOJA
Da Redação


Trabalho multidisciplinar, envolvimento com comunidades locais e empreendedorismo social são as maiores marcas do programa Enactus, uma organização internacional voltada para universitários, professores, empresários e executivos que acreditam na mobilização da juventude. Equipes de todo o Brasil vão se reunir no Campeonato Nacional, marcado para o mês que vem em Fortaleza (CE), para compartilhar experiências e disputar uma vaga na etapa mundial.
No Pará, os times estão se preparando para apresentar dezenas de projetos regionais, que prometem não só gerar impacto positivo para populações carentes, mas também contribuir para fortalecer uma rede de futuros profissionais comprometidos com uma visão mais sustentável.
Neste ano, a organização decidiu abrir ao público o evento que reúne as equipes Enactus do país inteiro. A ideia é alcançar mais pessoas e divulgar a iniciativa também para estudantes e docentes do ensino médio, que poderão conhecer trabalhos baseados nos pilares social, econômico e ambiental, voltados a empoderar e solucionar problemas específicos da sociedade. O evento é gratuito, mas as vagas são limitadas e as inscrições estarão abertas até o dia 30 deste mês no site www. enactus.org.br/campeonatonacional/ inscreva-se.
O time da Universidade Federal do Pará (UFPA) sentiu o gostinho da vitória no ano passado, quando foram premiados a Liga Rookie do Campeonato (modalidade para os projetos com menos de um ano). O projeto “Cíclica” deu o título a eles, que esse ano concorrem na liga principal, e consiste em organizar e fortalecer o trabalho dos catadores de lixo que atuam no Centro de Triagem (CT) do canal São Joaquim, no bairro de Val-de-Cans, alguns oriundos do fechamento do Lixão do Aurá. Os acadêmicos aplicam o conhecimento de diversas áreas para empoderar os catadores e torná-los agentes ambientais,gerando emprego e renda a partir da sustentabilidade.
São cerca de 30 catadores vinculados à Associação de Catadores de Coleta Seletiva de Belém (ACCSB), sendo que 58% do público é masculino e a faixa etária é entre 18 e 63 anos. Os integrantes Enactus UFPA formulam estratégias para melhorar o processo da triagem, ensinando técnicas de gestão interna, estudando a logística da coleta e a cadeia produtiva, buscando um comprador final que valorize mais o produto. O líder da equipe e acadêmico de Geologia, Rosinaldo Silveira, 24, detalha os objetivos nas três esferas que embasam o programa.
“Ambientalmente, o projeto visa ampliar e otimizar essa rede de coleta de resíduos, tirando esse material poluente da rua. Economicamente falando, nossa meta é aumentar a renda mensal deles, que hoje gira em torno de R$ 500 para R$ 880. No lado social, identificamos que a maioria dos catadores não tem ensino médio e alguns não sabem ler. Queremos agir nesse âmbito também, promovendo educação para eles”, explica.
A diretora de Projetos e estudante de Direito Érica Rodrigues, 20, lembra que a aproximação com a comunidade exigiu certo tempo, mas respeitar a autonomia deles foi fundamental para ganhar a confiança e conseguirem trabalhar juntos.
Uma das vantagens, segundo ela, é que a associação é bem organizada juridicamente e isso já garantiu alguns avanços antes mesmo da equipe entrar com a assistência. “Recentemente, eles ganharam uma cozinha e material de escritório, além de estarem participando de um edital nacional que os premiará com R$ 10 mil se fizerem algumas adequações no CT até o fim do prazo”, conta. Érica diz que os catadores estão conseguindo cumprir as exigências do edital e já fazem planos para o valor previsto como recompensa.
O desejo é aplicar a quantia na compra de mais maquinário, como uma prensa manual com capacidade superior a 180 quilos ou um triturador. “Atualmente estamos adequando o espaço para melhorar a prevenção de incêndio, orientando sobre equipamentos de proteção individual (EPIs), gestão de documentos, transparência e igualdade de gênero, entre outras ações”, acrescenta. A entidade dispõe de dois caminhões coletores e o time Enactus, ao lado dos catadores, está mapeando locais que disponibilizem materiais com maior valor agregado.
“Não adianta fazer eles reunirem, no fim do dia, uma enorme quantidade de material que vai aumentar o trabalho de triagem e não tem tanto valor comercial. É preciso pensar no que é melhor revendido e pode gerar um saldo mais positivo”, reforça. Em março, os associados passaram por uma capacitação no manuseio de lixo eletrônico, promovida pelo Instituto Gea, de São Paulo, e intermediada pelo time Enactus UFPA. De acordo com Érica, a triagem desses resíduos é um diferencial em Belém e os catadores tem um comprador de Manaus interessado nesse tipo de carregamento.
O time da UFPA tem 29 membros e 9 deles estão diretamente envolvidos com o “Cíclica”. O restante é responsável pelas áreas de marketing, consultoria, planejamento, estudo de viabilidade para outros projetos que devem ser lançados ainda neste ano. Uma das ideias em análise é o “Feira Sustentável”, que vai capacitar feirantes de bairros periféricos. “Participar dessa iniciativa é uma experiência incrível. Sempre gostei da ideia de viver a universidade além dos muros, sempre tive foco multidisciplinar e o Enactus é justamente isso. É muito gratificante unir pessoas de diferentes saberes com o mesmo objetivo, buscando um resultado que vai beneficiar outros”, diz Érica.

Capacitação é fundamental para sucesso de empreendimentos sociais

O termo “ibiratã” vem do tupi-guarani e significa “madeira forte”. Foi o nome que o time Enactus da Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra) escolheu para o projeto carro-chefe deles. Há pouco mais de um ano, os integrantes investem no planejamento de ação e na sensibilização da comunidade que forma a Cooperativa de Catadores de Materiais Recicláveis Visão Pioneira de Icoaraci (Cocavip). A proposta é capacitar e melhorar a geração de renda para 20 homens e mulheres, diretamente, dando outro destino aos paletes (estrados de madeira utilizados para movimentação de caixas em mercados).
A líder do time, Victória Terasawa, 18, estuda Engenharia Ambiental e pontua que os paletes de madeira são comumente descartados por empresas e indústrias da Região Metropolitana de Belém (RMB) e muitas vezes são queimados, poluindo o meio ambiente. Através de treinamentos, os catadores poderão produzir móveis, reutilizar outros materiais e ter um ganho bem maior do que R$ 0,30 por um quilo de ferro, por exemplo. A mobília produzida com baixo custo também será acessível a pessoas de baixa renda.
Composto por 41 estudantes, o time avalia parceria com o Curro Velho para a realização das oficinas. “Eles têm um certo receio de investir em uma nova atividade e nós estamos respeito o processo de decisão dos cooperados. Até porque nosso desejo é seguir trabalhando com eles, ensinar mais sobre empreendedorismo sustentável e futuramente ajudar na melhoria da creche que eles mantêm”, adianta
Victória. A expectativa é que dentro de mais um ano eles estejam produzindo e lançando uma linha de móveis e o projeto foi contemplado no edital de financiamento da Ford College Community Challenge.
A professora Natália Barbosa é a conselheira do time e destaca outros dois projetos em andamento. Na escola estadual Almirante Tamandaré, no bairro da Marambaia, colocaram em prática desde fevereiro o projeto “Geração Sementes do Amanhã”. São atendidas 300 alunos entre o 1º e o 5º ano do ensino fundamental. Os pequenos estão aprendendo a cultivar hortas orgânicas e aprendendo sobre cuidado com o meio ambiente, benefícios de uma boa alimentação e combate ao desperdício. Cerca de 200 mudas estão plantadas no colégio e na UFRA, de hortaliças, tubérculos e plantas frutíferas.
O mais recente é o projeto “Aquarela”, que vai beneficiar os moradores das comunidades afetadas pelo naufrágio da embarcação com cinco mil bois em Barcarena, em outubro do ano passado. “Ainda
não podemos dar muitos detalhes, pois envolve a patente de um produto novo, mas o foco é melhorar a qualidade de vida desses habitantes, que foram profundamente atingidos. O consumo de água, a pesca e o turismo sofreram grande impacto”, resume a professora. A equipe está animada para expor os três cases no Campeonato Nacional, mesmo que estejam em fase inicial, pois consideram o feedback dos jurados de grande ajuda.
O Pará conta com nove times em universidades públicas e privadas principalmente na capital e em Santarém, segundo o coordenador regional do Enactus Diego Lins, 24, formando em Engenharia Ambiental pela Ufra. “O envolvimento tem crescido a cada ano e os projetos estão se consolidando, gerando uma competição saudável e resultados expressivos, com grupos avançando no campeonato e,
mais importante, promovendo transformação social”, afirma. A pluralidade cultural e as carências da região contribuem para uma ampla possibilidade de projetos.
Caio Moura, gerente do programa Enactus Brasil, salienta que “os empreendedores sociais na Amazônia que recebem o estímulo da Enactus Brasil aceleram o processo de mudanças e inspiram outros atores a se engajarem em torno de uma causa comum, engajados na busca por tendências e soluções inovadoras para desafios sociais e ambientais”. O evento nacional incluirá o I Simpósio de Empreendedorismo Social Enactus Brasil e os interessados em participar podem submeter artigos para serem apresentados em forma de banner até dia 20 de junho, pelo site www.enactus.org.br. Neste ano, serão 48 projetos apresentados representando 48 universidades de 14 estados brasileiros.

quinta-feira, 13 de abril de 2017

Chefs levam receitas às comunidades

*Publicado na página de Responsabilidade Social, no jornal O LIBERAL de 26/05/2016

BRENDA PANTOJA
Da Redação

A cozinha é um lugar inspirador que estimula a criatividade e a agilidade dos amantes da culinária, seja em um restaurante renomado ou em um ambiente doméstico. Representantes da gastronomia profissional se encontram, hoje e amanhã, com moradores de comunidades atendidas pelo projeto Pro Paz nos Bairros para trocar experiências no evento “Chefs na Comunidade”. A atividade faz parte do 14º Festival Ver-O- Peso da Cozinha Paraense e vai contar com quatro chefs convidados que darão aulas para pessoas interessadas no tema. A proposta é ensinar a um público de baixa renda algumas técnicas de melhor aproveitamento de alimentos, novas receitas e até dicas de empreendedorismo.
Testar diferentes combinações de ingredientes e temperos ou preparar um prato especial com carinho para a família é muito gratificante para a dona de casa Maria Auxiliadora Barros Maciel, de 41 anos. Moradora do bairro do Guamá, ela vai participar das aulas e já está ansiosa para colocar em prática tudo o que aprender. “A culinária faz parte do meu trabalho porque trabalhei em casa de família por muitos anos. Agora estou afastada há uns dois meses para cuidar da saúde, mas ficar parada me deixa meio triste e preocupada. Participar desse evento vai ser ótimo para desenvolver minhas habilidades”, comenta.
A programação será realizada no polo do Pro Paz no Mangueirão e ela soube da oportunidade através do filho, que participa das atividades do projeto no bairro onde moram. “Meu filho me inscreveu porque achou que seria interessante para mim. Sempre gostei de cozinhar, sei fazer refeições, doces e salgados. É muito bom aprender mais, hoje em dia quem tem experiência além do básico na cozinha pode encontrar muitas portas abertas”, acrescenta. Maria demonstra a aptidão pela área na montagem dos pratos e na higiene no manuseio dos alimentos. “Me ensinaram que as pessoas comem primeiro com os olhos. Para quem trabalha como empregada doméstica, é preciso ser criativa e rápida para não perder muito tempo só cozinhando”, diz. Ela também pensa em aproveitar o contato com os chefs para tirar várias dúvidas e planeja usar os dotes culinários para garantir uma renda extra. “Em breve, quero investir na venda de alimentos. Estamos querendo comprar um carro, onde vou vender lanches e café da manhã. Para isso, pretendo tirar a carteirinha de manipulação e fazer tudo certo”, afirma.
A chance de participar das oficinas a deixou com vontade de pesquisar mais sobre o assunto, o que vai ser útil inclusive na hora de seguir uma dieta mais equilibrada, pois ela foi diagnosticada com diabetes recentemente. No bairro do Tenoné, a dona de casa Shirley de Oliveira, 29, também tem boas expectativas para o “Chefs na Comunidade”. Com os ensinamentos que recebeu da avó, da mãe e das tias, ela pegou gosto pelo ato de cozinhar e faz diariamente, com amor, a comida que vai para a mesa da família. 
Além de ter trabalhado por algum tempo como empregada doméstica, Shirley cultiva a ideia de reunir outras mulheres do bairro para montar uma cooperativa de cozinheiras ou trabalharem juntas na venda de refeições. “Vejo essa possibilidade porque sabendo cozinhar direitinho, dá para vender bem. Ainda não é um projeto formado, mas acho que é uma boa ideia e quem sabe depois dessas aulas outras mulheres não se animam?”, completa. A conversa com os profissionais vai ajudá-la a repensar hábitos e encontrar alternativas de consumo. “Eu tinha o costume de fazer sobremesa para comer depois do almoço, mas tivemos que diminuir isso porque está tudo muito caro. Antes eu comprava os ingredientes para fazer doce e estocava, hoje em dia só compro em ocasiões especiais”, conta.

SEM DESPERDÍCIO
O visionário chef Edinho Amado, mineiro radicado na Bahia, participará do evento com uma aula intitulada “Não desperdice nada” e é convidado do festival pela primeira vez. “Estou curioso para conhecer Belém e discutir gastronomia não só com pessoas que estudam o assunto, mas com a comunidade no geral. Vou ensinar algumas receitas, sempre buscando usar produtos que não são utilizados comumente e aproveitar integralmente os ingredientes”, explica. Cascas em geral, caroço de jaca e coração de bananeira são alguns dos itens que o chef usará como exemplo.
Para ele, é desnecessário se prender a poucos ingredientes e se dar ao luxo de desperdiçar sobras que podem compor pratos saudáveis e gostosos. “Precisamos pensar de forma mais atual. Vários chefs já falam em aproveitar os animais de cabo a rabo e podemos fazer o mesmo com hortaliças e frutas”, defende. 
O reconhecido chef Carlos Kristensen, do Rio Grande do Sul, é um dos maiores defensores e divulgadores dos ingredientes gaúchos no Brasil. Durante a atividade, ele vai conversar com os participantes sobre a valorização da cultura tradicional. “Vou falar sobre o projeto Internacionalmente Local,  que realizamos há cinco anos no Sul. A ideia é trabalhar com os pequenos produtores, fortalecendo o modo tradicional de fazer, o saber popular, para que as próximas gerações não percam esse conhecimento e essa técnica. Ao fazer esse resgate, queremos ter ingredientes melhores para quem produz, quem cozinha e quem come”, explica. Ainda segundo ele o debate engloba preços justos e agregação de valor aos produtos, uma discussão com a qual a população da região amazônica também pode se identificar. 
Kristensen ressalta que é importante conscientizar sobre a preservação de aspectos históricos, sociais e culturais da gastronomia. “Falar sobre isso com a comunidade é muito legal porque na correria do dia a dia, é fácil esquecer desses aspectos. Trouxe produtos para os participantes degustarem, vou falar de técnicas de preparo tipicamente gaúchas, vai ser uma troca muito boa”, conclui. O evento terá a presença do chef Rivandro França, que era técnico de enfermagem antes de investir na gastronomia. Ele começou vendendo bombons recheados com sabores do Nordeste e hoje comanda um dos restaurantes mais disputados de Recife. 
O chef Agenor Maia, do Distrito Federal, que tem vasta experiência com a cozinha contemporânea sem deixar de lado as bases culinárias adquiridas com a avó, também ministrará uma aula.

Festival abre espaço para a valorização dos empreendedores locais

Joanna Martins é a diretora executiva do Instituto Paulo Martins, realizador do Festival. Ela destaca que o “Chefs na Comunidade” integra há pelo menos quatro edições a programação intensa. De acordo com ela, o objetivo é que sejam aulas com ideias de receitas inovadoras e de baixo custo. “Nossa intenção é que os participantes utilizem o conhecimento adquirido para geração de renda mesmo. Queremos ensinar e inspirar. A gastronomia, acima de tudo, é comida feita com cuidado e não depende de ingredientes requintados, isso é nítido nas nossas visitas às comunidades”, ressalta.
As aulas quebram um pouco da “glamourização” da cozinha e mostram que é uma boa oportunidade de trabalho, ainda mais com o mercado local precisando de profissionais qualificados. Esse é o primeiro ano em parceria com a Fundação Pro Paz, mas a atuação com o público de baixa renda faz parte da missão do Instituto, que promoveu um curso de capacitação no ano passado e pretende abrir nova turma ainda esse ano. Ao todo, 200 pessoas vão integrar as turmas no polo do Mangueirão e o Pro Paz convidou os chefs paraenses Artur Bestene e Jeferson Medeiros para complementar o dia de aprendizado com um bate-papo sobre empreendedorismo, compartilhando cases de sucesso.
O presidente da Fundação, Jorge Bittencourt, acredita que o evento pode incentivar a economia local e o crescimento de pequenos empreendedores. “Muitas pessoas têm talento, às vezes vendem comidas em casa ou pequenos estabelecimentos, mas não tem os conhecimentos básicos de como fazer o negócio prosperar. Estamos trazendo pessoas que assim como elas, começaram de algum lugar e hoje conseguiram crescer e se tornar grandes chefs”, reforça. As aulas serão ministradas exclusivamente aos participantes inscritos previamente por meio do Pro Paz.
No entanto, o festival terá outras programações com viés social abertas ao público. Dois jantares magnos serão realizados nesta semana, mas já estão com ingressos esgotados. Chefs regionais e nacionais criaram pratos especialmente para os jantares e parte da renda arrecadada com a venda de ingressos será revertida para o Instituto Criança Vida. Um dos destaques do Ver-o-Peso da Cozinha Paraense é o Jantar das Boieiras, momento em que os chefs convidados e as boieiras (vendedoras de refeição do mercado) trabalharão em duplas para elaborar os pratos, em um verdadeiro intercâmbio gastronômico.
Realizado há 10 anos, o Jantar tem sido uma excelente chance de aprendizado para Roseane Gomes da Silva, 41, que participa há seis edições. Ela trabalha vendendo refeições no Ver-o-Peso há mais de 20 anos, atividade que aprendeu com a mãe. “O festival me tirou da minha zona de conforto e me abriu várias portas. Através do Instituto fiz um curso de iniciação culinária e posso dizer que saí de lá uma cozinheira muito melhor. Todo Jantar das Boieiras é uma experiência única”, relata. As receitas dela já foram consideradas as melhores do evento por duas vezes e ela está confiante no prato desse ano, pirarucu em camadas com jambu e batata, para conquistar um terceiro título.
Hildely Porpino, a Tieta, 56, é boieira há mais de três décadas e também estará no Jantar pela sétima vez. Vatapá de açaí e arroz paraense com creme de pupunha são algumas de suas criações. Para ela, o evento contribui para divulgar a cultura local para os próprios moradores de Belém. “Tem gente que vive aqui e não vem prestigiar a culinária no Ver-o-Peso. O festival é o momento de maior reconhecimento para nós, é quando a gente sente orgulho do nosso trabalho. É uma grande responsabilidade e um privilégio apresentar os sabores regionais para os chefs de fora. Participar do festival nos estimula a criar, a sempre melhorar. É muito enriquecedor”, declara.
Os chefs Edinho Amado e Carlos Kristensen irão cozinhar no Jantar das Boieiras. “Estou feliz de trabalhar junto com as boieiras e louco para conhecer tudo que Belém tem a oferecer em termos de sabores”, anuncia Amado. “Já sei que a receita da boieira que será minha dupla vai ser isca de carne acebolada. Para acompanhar, eu trouxe na mala o feijão crioulo do Rio Grande do Sul para fazer um mexido, temperado com carnes secas e puxado com farinha de mandioca. Estou animado para esse momento especial”, complementa Kristensen.

quarta-feira, 5 de abril de 2017

União fortalece a Fazenda da Esperança

*Publicado na página de Responsabilidade Social, no jornal O LIBERAL de 19/05/2016

BRENDA PANTOJA
Da Redação


O ritmo de vida é diferente na Unidade Nossa Senhora de Nazaré da Fazenda da Esperança, localizada em Mosqueiro, na Região Metropolitana de Belém (RMB). Cercado de vegetação, o espaço abriga homens que buscam tratamento para se livrar do álcool e das drogas. Trabalho não falta na Fazenda, que funciona há um ano e meio e tem 14 acolhidos e quatro voluntários. Aos afazeres, somam-se a espiritualidade e a convivência. Estes três elementos são os pilares do projeto Fazenda da Esperança, vinculado à Igreja Católica e com polos espalhados pelo Brasil e pelo mundo. 
O modelo é pensado para ser autossustentável e a unidade de Mosqueiro está caminhando para alcançar esse equilíbrio. No começo do mês que vem, será iniciado o cultivo de alface hidropônica e a expectativa da produção é de seis mil pés por mês, que serão distribuídos para redes de supermercados da cidade. Além disso, os moradores fazem biscoitos, óleos naturais, camisas e outros itens para serem vendidos pelas famílias, que não pagam mensalidade. A renda da comercialização é revertida para o projeto. Eles consomem também aquilo que é produzido dentro da área de 84 hectares, através da horta e da criação de animais.
A Fazenda está em constante progresso. Três casas, cada uma com capacidade para 14 acolhidos, foram construídas e a quarta está em obras. Ainda serão erguidos dois galpões, cuja estrutura completa foi doada, onde ficarão refeitórios, cozinha industrial e espaço para oficinas de marcenaria e trabalhos manuais. O Pará tem outras cinco Fazendas, implantadas em Bragança, Abaetetuba, Óbidos, Tucumã e Redenção. O objetivo é chegar a ter capacidade para atender 90 pessoas, de acordo com o diácono Leandro Guerra, vice-presidente da unidade. 
Ele explica que o arcebispo metropolitano de Belém, dom Alberto Taveira, presidente da Fazenda Nossa Senhora de Nazaré, foi quem convidou a iniciativa para se instalar em Belém. A Igreja tem papel fundamental na mobilização da sociedade civil na colaboração com as obras sociais e na conscientização de que os vícios são um grave problema social, pontua o diácono. Com o intuito de cooperar nessa articulação, foi criado o Grupo Amigas da Esperança, que reúne mais de 20 mulheres e profissionais de diversos setores para serem voluntários e contribuírem com ajuda financeira ou doando seu tempo.
A próxima ação será a Tarde Alegre, evento programado para ocorrer duas vezes ao ano e que reúne centenas de convidados em prol do fortalecimento da Fazenda. A ação será no dia 23, às 16h30, na Casa de Plácido, em Belém. Serão sorteados vários prêmios e compartilhados relatos de alguns acolhidos.

Voluntários se dedicam ao trabalho de tornar real o sonho da libertação

Na unidade, vivem voluntários que já passaram pela comunidade em outros estados e decidiram se dedicar integralmente ao trabalho de cuidar daqueles que buscam abandonar a dependência química. São pessoas como João Pedro Santos do Carmo, de 39 anos, e Júlio Silva, de 30, que têm um papel muito importante no acompanhamento dos acolhidos, pois já passaram pelo período mínimo de um ano de tratamento.
Após duas internações na comunidade terapêutica, em 2009 e outra em 2012, João Pedro escolheu deixar família e emprego em Manaus e trabalhar integralmente na Fazenda, até que veio o convite para apoiar a implantação da unidade de Mosqueiro, da qual hoje é coordenador. “Estou fazendo o que um dia outras pessoas fizeram por mim. Como não trabalhamos com remédios, é fundamental que as pessoas cheguem com força de vontade para mudar e aceitar tudo que é plantado no coração: humildade, esforço, respeito e relacionamento com Deus”, comentou.
O chamado social de se envolver na obra não foi ignorado por Júlio, natural de Pernambuco. No entanto, diferente de muitos voluntários, que precisam viver longe da família para cumprir a missão, ele está trabalhando na Unidade Nossa Senhora de Nazaré acompanhado da esposa e dois filhos. Segundo ele, foi na Fazenda da Esperança de Garanhuns, em 2010, que ele conseguiu se libertar das drogas, que consumia desde os 14 anos. “O vício me tirou tudo o que eu tinha conquistado, mas consegui me recuperar depois de um ano dentro da Fazenda e dois anos em contato com os grupos de apoio Esperança Viva”, relatou.
A filosofia agradou Mislaine Silva, de 27 anos, que passou a ter mais contato com um estilo de vida mais simples, voltado para o trabalho, a partilha e a espiritualidade. Por causa dessa identificação, ela não hesitou em acompanhar Júlio quando a família foi chamada para trabalhar em uma unidade no Acre, dois anos antes de virem para a capital paraense. “Viver a vida interna na Fazenda, ainda mais como voluntários, é estar com o coração aberto para o novo, querer recomeçar. O que me atraiu foi esse jeito de levar a vida, de resolver nossos conflitos pessoais e de se relacionar com os outros. Aqui me sinto um pouco mãe dos meninos que acolhemos também”, afirmou.
O casal está na unidade há quatro meses e tem um filho de 8 anos e uma filha de 1 ano e 8 meses, que estudam em uma escola próxima. Ela está fazendo um curso superior à distância de Serviço Social e Júlio está coordenando o projeto de cultura de alface, entre outras atividades diárias. “É um novo estilo de conduzir a família, mas a experiência da Fazenda nos ajuda a lidar melhor com os problemas, além de influenciar positivamente na criação dos filhos. Está sendo muito proveitoso. Com os acolhidos, estamos tentando criar laços de família e mostrar a eles um novo caminho, porque a Fazenda é isso”, ressaltou Júlio.

Rotina diferenciada muda visão de mundo e enche acolhidos de otimismo

Por quase 30 anos, Jocildo Pessoa, de 47 anos, manteve o hábito de consumir álcool e drogas. O vício  levou ao fundo do poço, mesmo tendo construído carreira como marítimo e guia turístico em Manaus. O medo de perder o amor das filhas e a vontade de mudar foram as principais motivações para aceitar ir para a Fazenda no ano passado. “Cheguei a dormir em um papelão, em um carro velho na rua, empurrava carrinho de mão pra ganhar pouco dinheiro e gastar tudo em bebidas. Até a minha inscrição na Fazenda eu fiz enquanto estava bêbado”, recordou, feliz de poder dizer que esses episódios fazem parte do passado.
Jocildo concluiu o primeiro ano de tratamento, mas optou por passar mais alguns meses no sistema, dessa vez como voluntário em Belém. “Foi um lugar que me proporcionou descobrir o amor ao próximo de verdade. A Fazenda nos dá oportunidades, basta querer. Quando estava no acolhimento, aprendi a mexer com sonoplastia, a plantar e colher urucum, fiquei responsável por uma equipe de padeiros... Fiz várias coisas que pensei que não era capaz de realizar, exercitei o trabalho em equipe e a convivência, que é o mais difícil. Hoje em dia, a minha mente é muito mais aberta”, acrescentou.
Além dos horários de trabalho durante a manhã e à tarde, os moradores da Fazenda da Esperança desfrutam de reuniões de leitura e discussão da Palavra, grupos de apoio e atividades de lazer, mas não têm acesso a televisão e celular. Essa rotina tem plantado otimismo no coração de Ronaldo Teixeira, de 53 anos, que está há dois meses na unidade. Ele experimentou cocaína pela primeira vez aos 22 anos e desde então teve dificuldades para largar as drogas. “Já passei por outras instituições, mas a Fazenda tem a melhor proposta de caminhada que já vi. Estou indo muito bem e estou esperançoso de que terei uma mudança concreta”, contou.
Para garantir a reinserção dos acolhidos no mercado de trabalho, são realizados cursos através de parcerias, como o de horticultura com a Federação da Agricultura e Pecuária do Pará (Faepa) e de operação de trator com o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar). Outros apoiadores da Fazenda são o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), Ministério Público do Trabalho (MPT), Banco da Amazônia, Prefeitura de Belém, Secretaria de Estado de Assistência Social, Trabalho, Emprego e Renda (Seaster), Polícia Civil e Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), com doação de madeira.
“É muito relevante a conscientização da sociedade como um todo, uma vez que a Fazenda traz um impacto muito grande que envolve núcleos familiares e comunidades. Precisamos muito do apoio de empresários e profissionais, doando materiais de construção e com atuação voluntária. Depois dessa parte intensa de construção das casas, vamos focar em aumentar o time de voluntários”, diz Naiá Guerra, que integra o Grupo Amigas da Esperança. 
A Fazenda da Esperança calcula que o índice de recuperação entre os acolhidos que completam o tratamento, no Brasil, gira entre 60% e 80%. Os fundadores Frei Hans Stapel e Nelson Giovanelli iniciaram o trabalho há 30 anos na cidade de Guaratinguetá (SP). Hoje já são 104 unidades em 16 países.

quinta-feira, 30 de março de 2017

Colibri preserva a tradição em Outeiro

*Publicado na página de Responsabilidade Social, no jornal O LIBERAL de 12/05/2016

BRENDA PANTOJA 
Da Redação

Teatro, música, dança, religiosidade popular e respeito à natureza. Todos esses elementos estão presentes nos cordões de pássaros juninos, uma manifestação cultural genuinamente paraense. Nas festas de São João, os cortejos ganham as ruas formados por personagens típicos da sociedade regional, como o índio, o caboclo, o ribeirinho e outros. 
Na sede do Cordão de Pássaro Colibri de Outeiro, os preparativos para montar o espetáculo já começaram e ocupam a mente e o coração dos brincantes. O trabalho com o cordão no distrito ganhou tamanha dimensão que motivou a criação de outros projetos voltados para a preservação e o fomento da cultura regional.
Hoje, o cordão tem 40 brincantes e faz parte da Associação Folclórica e Cultural Colibri de Outeiro, sendo sua principal atividade. “Batizado inicialmente de Beija-Flor, esse cordão foi fundado em Icoaraci por Teonila Ataíde  em 1971. Depois de seu falecimento, viemos para Outeiro em 1999 e tivemos que mudar o nome porque na Associação Folclórica de Belém já existia um cadastro com o nome de Beija-Flor”, conta a guardiã do cordão, a socióloga Laurene Ataíde. A coordenadora da associação herdou da mãe a missão de manter viva a tradição.
Além disso, a associação abriga uma sala de cinema, um infocentro e muitos livros e realiza o projeto Point Colibri de Comunicação, que é financiado pelo Oi Futuro, instituto de responsabilidade social da operadora de telefonia Oi, através do Programa Oi Novos Brasis. Por todo esse trabalho, a entidade é considerada um Ponto de Cultura, título conquistado após convênio com os governos federal e estadual. O local é aberto à comunidade, sendo o único ponto de internet livre do bairro e promovendo exibição de filmes mensalmente. Segundo Laurene, foi em 2008 que o grupo decidiu ampliar a atuação. “Não havia como ignorar a carência da região, em vários aspectos. Reunimos com a comunidade para pensar em projetos, mas precisávamos de recursos e para isso era necessário oficializar, criar CNPJ e tudo”, recorda.
Ela deixa claro que o principal objetivo do Colibri de Outeiro é a preservação dos cordões e das manifestações culturais da ilha de Caratateua. A brincadeira do pássaro continua revoando e ganhando força, mesmo 45 anos após a criação, graças à paixão de Laurene pela cultura, interesse que passou de mãe para filha, como tradicionalmente ocorre nesses grupos. “Minha preocupação em resguardar essa expressão é por ela ter origem na nossa terra. Não existe registro de pássaros juninos em nenhum outro lugar, além de ser uma bela apresentação, que remete ao imaginário e ótimo canal para promover a cultura entre a população de baixa renda”, defende.
A narrativa da encenação gira em torno da caçada, morte e ressurreição de um pássaro, o personagem central. Outros personagens aparecem, como fazendeiros, índios, nobres, fadas, feiticeiras, príncipes e princesas. Depende da roupagem de cada grupo, que parte desse enredo básico para criar várias peças populares. Carolina da Silva, 19, vai interpretar a princesa e está há dois anos no Colibri de Outeiro. Ela garante que entrar na Associação mudou sua visão sobre muitas coisas, incluindo ela mesma. 
“Antes, não fazia ideia do que eram os pássaros juninos. Conheci através de uma amiga na escola e me chamou a atenção a oportunidade de exercer o teatro. Tem sido uma experiência ótima. Me deu maior conhecimento sobre a cultura do Pará, me tornei mais sociável, mais responsável e aprendi a respeitar mais a opinião dos outros, trabalhar em equipe e, principalmente, me ajudou a lidar com a epilepsia”, avalia. O tempo ocioso que Carolina tinha quando chegava da aula passou a ser ocupado pelos ensaios e oficinas, o que a tornou uma jovem mais interessada em assuntos culturais.
A epilepsia trazia uma série de inseguranças para ela, que tinha dificuldade em fazer amigos e agora, após se integrar muito bem com os brincantes, está com a autoestima elevada e se prepara para um dos principais papeis no cordão. “Não enxergo mais a epilepsia como um problema. Aliás, aqui passei a refletir mais sobre inclusão, pois temos uma brincante especial [com deficiência intelectual]. Ser a princesa me dá vontade de fazer ainda melhor. Encaro o cordão como um trabalho mesmo”, completa. 

PARA TODOS
A acessibilidade cultural é uma das metas de Laurene Ataíde, que concluiu um mestrado na área recentemente e está trabalhando na adaptação de peças do grupo por meio de audiodescrição e linguagem brasileira de sinais. Por meio de projetos aprovados em editais, o Colibri de Outeiro já realizou circuitos de apresentação em outros estados, como Ceará e Maranhão, além de muitas cidades do interior paraense. O impacto na vida dos jovens é visível, afirma a socióloga. “Estamos em uma área considerada vermelha. Estando conosco, eles não estão soltos, desfrutam de um lazer sadio, se educam, adquirem cultura. Alguns que nos acompanham nas viagens nunca tinham saído nem de Outeiro e puderam conhecer novas regiões. Isso expande os horizontes”, comenta.
Tayres Pacheco, 26, é brincante há seis anos, formada pela Escola de Teatro da Universidade Federal do Pará e interpreta a “Matuta”. Ela ministra oficinas de teatro nas escolas da comunidade e é engajada na divulgação dos pássaros juninos. “Nós criamos o nosso próprio tipo de teatro e isso tem uma relevância cultural enorme, mas quase ninguém conhece. É legal levar para as escolas, pois ensina as crianças a valorizar desde cedo. Além de enriquecer a bagagem cultural dos participantes, a Associação serve como um espaço para conversar com os adolescentes sobre vários temas que identificamos na ilha, como sexualidade, drogas e violência”, ressalta.

Documentação é essencial para divulgar a cultura regional no Estado

Segundo Laurene Ataíde, os cordões de pássaro estão em avançado processo de desaparecimento. Em menos de 20 anos, a capital paraense já viu dez grupos encerrarem as atividades. Um ponto crucial para preservar é documentar, registrar e divulgar a cultura local. É aí que entra o Point Colibri de Comunicação. O projeto foi pensado para capacitar em produção audiovisual os 40 integrantes do cordão, de todas as idades, mas com foco nos adolescentes e jovens. Em execução desde o ano passado, os participantes compraram equipamentos profissionais de filmagem e fotografia, promoveram oficinas de edição de vídeo e texto, e ainda organizaram eventos. 
No mês passado, eles fizeram uma mostra audiovisual, onde apresentaram uma coletânea de vídeos criativos sobre as atividades culturais em que a população da ilha é protagonista. O Círio de Nossa Senhora de Conceição, os desfiles de carnaval e as festas juninas foram alguns dos temas dos vídeos e também serão apresentados em fotos na Mostra Fotográfica “Sob os Olhares do Colibri”, que será exposta entre os dias 25 e 28 deste mês, na sede da Associação. Os estudantes Rafael da Silva, 21, e Bruno Santos, 26, são alguns dos mais ativos na produção de conteúdo e descobriram a aptidão com fotografia e filmagem através do Point de Comunicação.
Rafael participa do cordão há oito anos e faz o papel do caçador, enquanto Bruno está há três anos no grupo e interpreta o príncipe. “Além das técnicas em foto e filmagem, a gente está sempre aprendendo sobre um tema diferente, em contato com outros grupos e essa troca é muito boa. Eu era pobre em cultura, aqui aprendo bastante”, diz Rafael. O trabalho de registrar a realidade da comunidade em que vivem provoca uma consciência social nos jovens, que também retratam problemas como erosão nas praias de Outeiro e a falta de estrutura. “Passei a me interessar muito mais por fotografia, atividade que pretendo manter. O teatro também me ajudou a perder a timidez”, complementa Bruno. Os jovens atendidos pelo projeto do Point também atualizam as redes sociais do Colibri.

INFORMAÇÃO
A coordenadora da área de Sustentabilidade do instituto Oi Futuro, Flávia Vianna, garante que o Point Colibri de Comunicação, aprovado no edital de 2014, ainda tem pelo menos seis meses de funcionamento pela frente. “A proposta do programa Oi Novos Brasis é desenvolver iniciativas socioambientais inovadoras que utilizem as tecnologias de comunicação e informação pra acelerar o processo de desenvolvimento local”, define. 
Na visão dela, as ferramentas do audiovisual e da fotografia tem sido bem usadas pelo Colibri, a partir do momento em que fazem um resgate histórico e cultural de Outeiro, “além de enfatizarem questões que a própria população identifica como fragilidades do território, o que pode até fundamentar um diálogo com o poder público e a sociedade civil”, observa. Ainda não há previsão para o lançamento de uma nova seleção. Apostar em cultura em uma área como a ilha, que é carente de uma série de serviços, é um meio de promover sustentabilidade.
“Há discursos que colocam a cultura como um dos pilares da sustentabilidade, ao lado dos pilares econômico, ambiental e social. Isso faz sentido porque não dá para dissociar o individuo de sua cultura e todos esses fatores estão relacionados”, destaca. O próximo projeto da Associação é o I Festival de Pássaros e Outros Bichos de Belém, marcado para agosto. O evento recebeu uma verba de R$ 100.000 pelo programa CAIXA de apoio a Festivais de Teatro e Dança. A guardiã homenageada será Teonila Ataíde e duas de suas peças serão representadas pelo cordão Colibri: “Loucura de uma paixão” e “Os poderes de uma feiticeira”. Laurene adianta que os 17 grupos da capital paraense irão participar e que o público irá presenciar uma grande celebração da cultura local.

Serviço
- Site: http://colibriouteiro.6te.net/
- Página: http://www.facebook.com/PointColibri/
- Contato: 9 8861-6467 e 9 8278-4030 (Laurene Ataíde)
- Endereço: Rua Tito Franco, nº 183, bairro São João do Outeiro

quinta-feira, 23 de março de 2017

Projeto combate violência na Sacramenta


*Publicado na página de Responsabilidade Social, no jornal O LIBERAL de 21/04/2016

BRENDA PANTOJA
Da Redação


Com mais de 44 mil moradores, o bairro da Sacramenta, em Belém, tem uma grande população jovem. Dados do Censo 2010 mostram que o número de habitantes, na faixa etária de 5 a 19 anos, gira em torno de 10.753 pessoas. Visto como um dos bairros mais perigosos da capital paraense, a administradora Rita Pantoja decidiu tomar uma iniciativa para combater os índices de violência da área. Há 17 anos, ela fundou a Associação Projeto Renascer, apostando na qualificação, educação, esporte, lazer e cultura como ferramentas para melhorar a vida de crianças e jovens.
O trabalho é realizado por meio de projetos como o Ciranda da Arte com Ballet e Ciranda da Arte com Futebol, que atende crianças entre 6 e 12 anos. As meninas e os meninos não só treinam ballet e futebol, como também realizam atividades de pintura e leitura. Já os projetos Menor Aprendiz e Capacitação para Geração de Emprego e Renda são voltados para adolescentes e jovens, respectivamente. A associação também recebe adultos em busca de qualificação e os cursos ofertados são de atendimento ao público, vendas e marketing, recepcionista, auxiliar de departamento de pessoal e estoquista, em parceria com Serviço Brasileiro de apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac).
Em quase duas décadas de funcionamento, a entidade atendeu cerca de seis mil famílias e atualmente tem 80 integrantes. A sede fica localizada na travessa Alferes Costa, próxima ao canal São Joaquim, sendo de fácil acesso para o público de bairros adjacentes, como Barreiro, Val-de-Cães, Telégrafo e Paraíso dos Pássaros. “O nosso principal objetivo é gerar um impacto positivo na sociedade e temos visto isso se refletir na queda da evasão escolar, nas moças e rapazes que entram cedo no mercado de trabalho e ganham novas perspectivas”, declara Rita.
O adolescente Gustavo dos Anjos, 17, mudou de postura após passar pelas capacitações promovidas pelo Renascer. Ele cursa o 1º ano do ensino médio e está buscando o primeiro emprego, contando com o apoio da associação. “Hoje já penso em fazer faculdade e planejar o meu futuro, antes não me preocupava com isso. Depois da Associação Renascer, procurei outros cursos e estou fazendo um aos sábados, que vai durar seis meses e vai me ensinar várias funções, como caixa de supermercado, auxiliar administrativo, almoxarifado”, conta.
Gustavo mora no Barreiro e, para ele, a falta de oportunidades em muitos bairros acaba desanimando os jovens. “Além disso, percebo discriminação com os jovens da periferia em vários espaços da cidade. Esse tipo de coisa a gente tem que vencer. Eu acredito que sou forte, que vou conseguir me sair bem e espero conseguir logo uma vaga”, ressalta. Jacilene Gama, mãe de Gustavo, foi quem o incentivou a começar a fazer as qualificações e está satisfeita com o desenvolvimento do filho. “Aqui na área falta presença do poder público, temos poucas atividades para os nossos filhos e não é bom deixar eles crescerem acostumados a estar sempre na rua, por causa da criminalidade e das drogas. Nesse sentido, o curso foi muito bom para ele se atualizar, se motivar a batalhar mesmo”, avalia.
O currículo de Gustavo foi enviado para vários parceiros da associação, que incluem redes de supermercado, de farmácia e shopping centers. “O currículo que vai encaminhado por nós tem maior credibilidade porque são parceiros que conhecem o nosso trabalho. O retorno tem sido muito bom e os alunos atendidos recebem até treinamento sobre entrevistas de emprego e dinâmicas de grupo”, diz Rita. O ponto alto do trabalho com a capacitação de adolescentes, jovens e adultos, ainda segundo ela, é ocupar o tempo ocioso, melhorando o currículo e a autoestima deles.
Focado no público infantil, o Ciranda da Arte nasceu há 10 anos com a intenção de valorizar a arte-educação. Com aulas duas vezes por semana, os professores revezam atividades de teatro, desenho, música, leitura com ballet e futebol. “Nossas crianças sofrem com a deficiência na oferta de atividades, de espaços de lazer, de uma educação mais completa. Esse projeto é uma forma de promover a inclusão delas por meio da arte e do esporte”, afirma. O Ciranda da Arte com Ballet recebe apoio do Banco da Amazônia há três anos.
No entanto, as aulas do Ciranda da Arte tem um diferencial. Nos primeiros 20 minutos de cada encontro, os educadores conversam com as crianças. Falam e ouvem o que eles tem a dizer sobre diversos temas: família, meio ambiente, escola, cidadania, amor ao próximo e espiritualidade. “Queremos reforçar valores com eles, que possam ser levados para dentro de casa, para a vizinhança, para a sala de aula. A sociedade está carente disso em vários ambientes e eles estão em processo de formação de caráter, por isso é bom investir”, observa o professor de futebol, Miguel del Valle.

Equipe comemora a formação de pessoas já atendidas pela associação

Humanização é o ponto chave da atuação do Projeto Renascer, defende a orientadora Celmira Pantoja. “A gente sente nas crianças o desejo e a alegria de fazer a dança, de praticar o futebol. Isso é muito importante para eles e para os pais também, ainda mais porque aliamos o ensino ao aconselhamento. Reforçamos bons princípios de honestidade, respeito e companheirismo”, pontua. Ela diz que é comum e muito gratificante encontrar jovens atendidos pelo projeto trabalhando em lojas, cursando universidades públicas e que vários deles se tornaram pais responsáveis, fazendo com que a associação atenda uma segunda geração de moradores.
Rita destaca que a entidade também atua em outras frentes. Tempos atrás, realizaram um projeto de ensino de capoeira e há pouco tempo implantaram o reforço escolar em matemática e leitura. A sede fica em uma casa de dois andares, mas apenas o pátio está disponível para o público e o espaço está ficando apertado, precisando ser ampliado. A programação ocorre nos dias de terça, quinta, sexta e sábado e uma arena é alugada para as aulas de futebol. A equipe é composta de cinco pessoas, incluindo os professores contratados.
“A experiência nos mostrou que não podemos depender de voluntários para coordenar os projetos e, como eles são muito importantes e priorizamos a qualidade do que é ensinado, temos educadores contratados. A professora de dança, por exemplo, é formada na área pela Universidade Federal do Pará”, acrescenta. A associação também entrega cestas básicas para pessoas de baixa renda e realiza ações educativas no bairro. A próxima na agenda será uma palestra sobre a gripe H1N1 e a presença de agentes de saúde para vacinar o público-alvo.
No momento, eles contam somente com os recursos financeiros do Banco da Amazônia, que repassa verba especificamente para o projeto Ciranda da Arte com Ballet, e doações da comunidade. Um dos maiores desejos de Rita é que a população se aproprie da iniciativa e ajude a garantir a sustentabilidade do projeto. “Mesmo com o aporte do banco, tentamos incentivar as pessoas a se engajarem, para que se apoderem desses serviços. Não é fácil, às vezes a comunidade quer se desprender dessa responsabilidade e esperar somente pelo poder público. É difícil se articular, exige muita consciência crítica, mas apostamos que vamos conseguir”, argumenta.
Maria Sales Araújo, 55, é mãe de Jenifer Raíssa Araújo, 10, que frequenta as aulas de ballet há dois anos. Ela também é avó de Pedro Vítor Araújo, 9, e Heitor Lima, 6, que fazem parte do projeto de futebol. Duas vezes por semana, ela faz questão de levar as crianças para as atividades e acredita que a sociedade poderia participar e ajudar mais a associação. “Mesmo quando tem reunião com os pais, muita gente falta. Não podemos esquecer que a união faz a força. Nós temos uma grande responsabilidade com as crianças e eu passo essa noção para eles, não deixando faltarem ou abandonarem o projeto, até porque eu vejo como faz bem a eles”, comenta.
Desde que começaram no projeto, ela notou que eles estão mais interessados pela leitura e que estão se expressando melhor. “Sem isso, as opções deles no tempo livre seria ficarem soltos pela rua? Ou presos em casa vendo televisão? Aqui eles gastam energia e aprendem bastante. É muito boa a iniciativa porque aqui faltam creches e ela faz a diferença para as mães que trabalham fora e não tem onde deixar os filhos”, complementa. Estudante do 6º ano do ensino fundamental, Jenifer pratica ballet há quase quatro anos.
As aulas começaram em um cursinho particular, mas foi ficando apertado para o orçamento da família e era longe de casa. “Fiquei feliz de poder continuar a fazer ballet porque é algo que me faz sentir alegre. Gosto muito de ensaiar, mas gosto mais das apresentações, de estar em um espetáculo”, revela. A garota já se apresentou no Theatro da Paz e em shoppings. Apesar de confessar que nunca quer abandonar a dança, Jenifer deseja ser professora. “O projeto me ajudou a ler mais, gosto das histórias do Sítio do Pica-Pau Amarelo, de poesias e de Lendas da Amazônia”, completa.

Ciranda da Arte vence edital do Banco da Amazônia dois anos seguidos

Sobre a parceria com o banco, o gerente de Imagem e Comunicação da instituição, Luiz Lourenço Neto, lembra que tudo começou com a inscrição do projeto no edital de patrocínio de 2014. O Ciranda da Arte com Ballet foi aprovado na seleção em dois anos seguidos e, neste ano, o apoio continua porque a empresa julgou interessante manter a continuidade da ação social. “Dos nossos recursos destinados à responsabilidade social, 80% é concedido via edital e 20% vai para projetos contínuos. Dessa vez, a Associação Renascer se encaixou nessa categoria”, explica.
No entanto, ele detalha que a continuidade não é garantida por muito tempo, dificilmente ultrapassando dois a três anos. O motivo é estimular a comunidade a comprar a ideia do projeto e o ajude a rodar. Para isso, o dinheiro do edital deve ser usado na divulgação da iniciativa, na aquisição de equipamentos e pagamento de instrutores. Em 2016, o banco destinou quase R$ 2,5 milhões, valor 8% maior do que no ano passado, a 132 projetos artísticos, culturais, educativos e esportivos em toda a Amazônia Legal. Ainda de acordo com Luiz, 40% desses projetos contemplados estão no Pará. 
“Temos projetos maiores via Lei Rouanet e uma modalidade de apoio para eventos artísticos que contribui para fomentar a cultura na região. Em um momento em que muitas empresas estão diminuindo orçamento para iniciativas sociais, nós investimos mais por acreditar que temos um importante papel social, como banco inserido na Amazônia”, declara. Luiz informa, ainda, que as inscrições para o próximo edital serão abertas em agosto e que “várias possibilidades e surpresas estão sendo estudadas na área para 2017, quando o Banco completa 75 anos”.