sábado, 12 de dezembro de 2015

Intercâmbio social transforma vidas

*Publicado na página Responsabilidade Social, no jornal O LIBERAL de 15/10/2015

BRENDA PANTOJA
Da Redação

Dos 63 países analisados pela instituição Education First no Índice de Proficiência em Inglês, o Brasil ficou com a 38ª posição. A pesquisa foi divulgada no ano passado e mostra que o país tem baixa proficiência, mesmo tendo evoluído consideravelmente nos últimos sete anos. Dentre os estados brasileiros, o Pará ficou em 20º lugar, com índice avaliado como “muito baixo”. Dominar outro idioma é importante para o currículo profissional e também tem grande impacto social. É pensando nisso que várias instituições se dedicam ao ensino voluntário de línguas estrangeiras a crianças e adolescentes que moram em bairros periféricos de Belém.
Aos 14 anos, Diego Matheus já decidiu que vai aprender a falar espanhol fluentemente e também estuda inglês, disciplina na qual tem um bom rendimento na escola. “Gosto mais de espanhol, acho mais legal e me identifico mais com a língua. Quero fazer um curso no futuro”, conta o garoto, que cursa a sexta série. Além das aulas no colégio, ele frequenta as aulas promovidas pela organização não-governamental Aiesec, em parceria com o Lar Fabiano de Cristo (LFC), no bairro do Guamá. Foi lá que teve a oportunidade de reforçar o aprendizado do inglês, bem como entrar em contato com o espanhol.
O LFC é um dos parceiros locais que recebe intercambistas. Eles permanecem de seis a oito semanas na capital paraense, dando aulas de inglês ou espanhol para os meninos e meninas. A iniciativa é da Aiesec, uma entidade global formada por universitários e recém-formados que trabalha o conceito de intercâmbio social, com o objetivo de promover a liderança entre os jovens participantes e de fazer a diferença na comunidade onde eles são inseridos. A ONG está presente em mais de 120 países e promove projetos educacionais, ambientais e de marketing, além dos intercâmbios corporativos, de atuação profissional.
Julia Wohland, 22, é estudante de Química na Alemanha e passou os últimos dois meses na capital paraense ensinando inglês para as crianças e adolescentes atendidos pelo Lar Fabiano de Cristo. Para ela, a experiência foi engrandecedora. “O projeto é muito bom para eles, que podem conhecer outras culturas e aprender novas línguas. É ótimo ver que eu estou contribuindo para o desenvolvimento deles, os ajudando a terem chances de conquistarem mais, pois o inglês é um idioma global e muito importante”, comenta. Ela deixa Belém nesta semana, mas seguirá para Recife, onde participará de um projeto de educação ambiental da Aiesec. 
Os projetos sociais em que ela se envolveu não estão diretamente ligados à sua área de estudos, o que ela considera um ponto positivo. Julia deu aulas para duas turmas, totalizando quase 40 alunos, entre 7 e 17 anos, mas a quantidade depende da demanda das famílias atendida. 
A gerente de relacionamentos da Aiesec, Ewelin Gamelas, explica como a responsabilidade social construída no início da carreira pode gerar grandes resultados no futuro. “Empregamos muito o desenvolvimento de liderança entre os jovens. Mais do que atingir resultados, é preciso empregar a empatia e atuação social. Ao trabalharem para melhorar uma comunidade, se integrando a uma cultura diferente, plantamos uma semente”, afirma. A ideia é que estes jovens, ao assumirem posições influentes no mercado de trabalho, possam ter a consciência de trabalhar pela sociedade. 
Quatro intercambistas já passaram pelo LFC e marcaram o aprendizado não só do Diego, como também de Ismael Gomes, 15, e Breno Pantoja, 16. Por meio da parceria, eles já tiveram aulas de inglês e de espanhol, o que ajudou bastante no desempenho escolar. “A gente percebe que vários colegas têm muita dificuldade nessas matérias, enquanto a gente recebe um bom reforço com essas aulas. Na verdade, até muitos professores não têm facilidade nas línguas. É diferente o jeito que eles [intercambistas] ensinam, porque vieram de outro país”, observa Ismael.
Na escola, Breno aprende somente o espanhol e está fazendo planos para ingressar em um cursinho de inglês. Ele vai para o segundo ano do ensino médio e pensa na capacitação profissional. “Sei que o mercado de trabalho está competitivo e saber falar inglês é mais conhecimento, vai me ajudar lá na frente. Também treino karatê, já viajei para competir em outros estados e vai ser bom até para me relacionar com atletas estrangeiros”, avalia. Ampliar os horizontes destes alunos é uma das grandes vantagens do projeto. 
A coordenadora pedagógica do LFC, Débora Pedroso  destaca o protagonismo dos participantes do curso. “Por oferecermos educação informal, não há a obrigatoriedade das avaliações, o que deixa os alunos livres para participarem  por interesse próprio. E eles fazem questão de participar, de interagir com os intercambistas. O aprendizado deles é forte, porque se relacionam com um professor de fora”, pontua.
As duas ONGs vão estudar a possibilidade de abrir os cursos para membros da comunidade em geral. Saindo de Belém, 43 jovens já fizeram intercâmbio pela Aiesec desde 2012, quando a ONG chegou ao Pará. Outro escritório também funciona em Santarém. Em Belém, eles também têm parcerias com a creche Cordeirinhos de Deus, Associação de Moradores do Benguí e empresas.

Aprender alemão vira brincadeira de criança para grupo de 38 meninas

A pronúncia da língua alemã, que parece complicada para muita gente, vira brincadeira de criança para o grupo de 38 meninas, entre 6 e 12 anos, que participam do projeto “Competência Social e Interculturalidade no Ensino - Aprendizagem da Língua Alemã na Amazônia”, da Faculdade de Línguas Estrangeiras Modernas (Falem) da Universidade Federal do Pará (UFPA). Coordenado pela professora Rosanne Cordeiro de Castelo Branco, as aulas são realizadas na Instituição Pia Nossa Senhora das Graças, que assiste a 330 crianças de vários bairros de Belém, incluído meninas em situação de vulnerabilidade social. 
A professora e as cinco bolsistas que compõem a equipe buscam relacionar o idioma a elementos da cultura regional. “Aproveitamos datas comemorativas, como o dia do índio, do meio e ambiente, Natal, Círio e outros temas, como as lendas amazônicas para ensinar as palavras correspondentes em alemão”, detalha Rosanne. Trabalhando o alemão em conjunto com a realidade das alunas, o aprendizado se mostra eficiente. Ela ressalta que, além de ajudar as crianças a desenvolverem a competência de se comunicar em alemão, o projeto trabalha a valorização cultural.
“É comum as pessoas estranharem o ensino do alemão no Norte do país, mas as garotas aprendem uma nova língua, o que é muito bem visto no mercado de trabalho. Mesmo que elas sejam novas, a noção básica do alemão pode incentivá-las a continuar o aprendizado, uma vez que o projeto também aumenta a autoestima e a confiança delas”, frisa. As professoras fazem o contraponto de valores literários, estéticos e culturais da Amazônia e de aspectos artísticos e culturais da Alemanha. Este processo possibilita à criança o reencontro com a identidade e com a etnia, através do trabalho de gênero e de busca de respeito a si e ao outro, reforçando a igualdade de direitos e deveres do cidadão. 
Os conteúdos são ministrados durante o ano letivo, período suficiente para que as meninas construam um vocabulário razoável. Algumas, conforme o interesse e a disponibilidade, conseguem permanecer por vários anos no projeto, ampliando as habilidades na língua alemã. O projeto começou em 2000, mas teve uma pausa e foi retomado em 2008. Desde então, já atendeu 340 crianças carentes. O envolvimento dos alunos da Licenciatura de Língua Alemã é um dos pontos fortes do projeto, no entendimento da coordenadora. “Este trabalho permitiu o amadurecimento de muitos estudantes locais. Alunos e profissionais que vêm da Alemanha para pesquisar e atuar na UFPA sempre procuram se envolver com o projeto, em uma troca que tem se mostrado maravilhosa”, conta.

Projeto “Guamá Bilíngue” atua há seis anos com estudantes do bairro

Voltado ao espanhol e também da UFPA, o projeto “Guamá Bilíngue” atua há seis anos com estudantes do bairro. Participam 35 alunos das escolas estaduais Alexandre Zacarias de Assumpção e Barão de Igarapé Miri, todos entre 15 e 18 anos. Estudar uma língua estrangeira se tornou uma grande ferramenta de “letramento crítico”, de acordo com  a professora Cássia Paiva, responsável pelo grupo. O curso dura um ano e consegue que  os integrantes dominem o básico do espanhol, seguindo o padrão europeu de ensino.
Os alunos participam das aulas no campus da Universidade e realizam atividades textuais que servem de base para discussões. “Abordamos temas como assédio, violência contra mulher, alcoolismo, entre outros. Muitas vezes, a conversa não fica só nas lições sobre a língua, mas passa para a consciência social. Eles passam a compreender melhor situações de risco e a construir melhor a cidadania. Nossa intenção também é dar letramento crítico, ou seja, uma leitura de mundo diferente da que eles estão acostumados”, assegura.
Mais de 20 trabalhos acadêmicos  foram elaborados com base no projeto e os estudos mostram que os alunos tiveram avanços significativos não só no domínio do espanhol,  mas também do português. Ao final do curso, os alunos recebem um certificado oficial do Instituto Cervantes, da Espanha. Leandro Silva, 19, participou do projeto em 2013 e foi o primeiro integrante a ser aprovado no vestibular da UFPA, em seguida. “O espanhol foi muito importante na minha vida, pois me ajudou a realizar a prova do Enem, onde optei por essa língua, fazendo com que eu conseguisse uma vaga na UFPA no curso de Ciência da Computação. Até hoje o espanhol está me ajudando, pois me deparo bastante com artigos, livros, video-aulas que se utilizam da língua espanhola”, relata.
A impressão deixada pelo curso em Leandro é um dos objetivos do projeto. Cássia salienta que, ao se deslocarem à UFPA para participar do projeto, eles são retirados de um ambiente de vulnerabilidade
e introduzidos ao espaço da universidade. “Isso os instiga, abre os seus olhos para as oportunidades do futuro. Ensinar outra língua abre portas para uma cultura diferente e o aluno percebe que pode ir além dos limites que lhe são apresentados”, resume. Pelo trabalho desenvolvido com o “Guamá Bilíngue”, a professora recebeu recentemente o “Prêmio Palma de Ouro Barroca de Minas Gerais”, destinado às mulheres de grande atuação nas áreas de Turismo, Cultura e Educação.

Serviço:
• Conheça mais sobre a AIESEC: www.aiesec.org.br/
• Saiba mais sobre o projeto “Aprendendo Alemão na Amazônia”: http://amazonienkinderdeutschlernen.blogspot.com.br/
• Mais informações sobre o projeto “Guamá Bilíngue”: www.facebook.com/GuamaBilingue


terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Os 230 moradores de Irupé

*Publicado na página Responsabilidade Social, no jornal O LIBERAL de 24/09/2015

BRENDA PANTOJA
Da Redação

Um dos vereadores tem 7 anos de idade, o secretário de meio ambiente completou 12 anos e o prefeito, com 16 anos, ainda nem saiu da adolescência. Apesar da pouca idade, os gestores da cidade-laboratório de Irupé têm feito um ótimo trabalho no pequeno município. Bem pequeno mesmo, uma vez que possui apenas 230 “habitantes”. O projeto existe há três anos e desenvolve um trabalho de consciência social e política com os jovens, transformando-os em agentes ativos da comunidade. A iniciativa é promovida pela organização não governamental (ONG) Lar Fabiano de Cristo (LFC), na unidade Casa de José, no bairro do Guamá. 
A entidade completou 44 anos de fundação neste mês e, atualmente, beneficia cerca de 300 crianças, jovens, adultos e idosos. Irupé, que é uma palavra indígena para a planta vitória-régia, abriga três comunidades: Tuchaua, Muiraquitã e Apoema. É dentro da sede do LFC que os integrantes desses grupos convivem e aprendem sobre cidadania. A ONG oferece uma série de atividades extraclasse que vão desde aulas de reforço em matemática e português até karatê e teatro, além de cursos profissionalizantes. 
A mini-cidade pode parecer pacata, mas já vivenciou um processo de impeachment realizado no meio do ano letivo e promove assembleias mensais para discutir os problemas e as necessidades da população. Cada comunidade elege um vereador e um secretário e todos votam para escolher os prefeitos e vice-prefeitos. Eles podem nomear assessores, se julgarem necessário, e também indicam os secretários de Educação, Comunicação, Meio Ambiente e Saúde. São nomeadas duas equipes de gestores, sendo uma para a manhã e outra para a tarde. 
No turno vespertino, a responsabilidade de zelar por Irupé é do prefeito Luís Henrique Alves, de 16 anos. Ele já frequentava a ONG há dois anos, mas conta que aprendeu bastante depois que foi eleito. “É um projeto de protagonismo e deveria ser colocado em prática em outras instituições porque as crianças passam a conhecer melhor seus direitos e deveres. Aqui tem crianças com uma consciência que muitos adultos não tem e os pais se espantam ao ver o conhecimento delas. Tudo isso ajuda a criar cidadãos de bem, que vão saber brigar pelos seus direitos”, afirma. 
Os mecanismos da gestão municipal ficam mais claros para os meninos e meninas, que chegaram a conversar com vereadores para entender melhor o funcionamento da administração. “Não tem sido uma experiência fácil, mas é muito interessante lidar com as responsabilidades do cargo e ainda tenho muito para aprender”, acrescenta o vice-prefeito Wesley Santos, 14. Em parceria com Luís Henrique e o resto da equipe, eles pensam em formas de conscientizar os estudantes e solucionar as reclamações trazidas pelas comunidades. 
“A prefeitura me ensinou a ter mais consciência pelo ambiente que ocupo. Antes, eu pichava as paredes da escola, mas agora eu entendo que isso não é uma boa atitude. Inclusive, tivemos conversas com os alunos sobre pichação e vários admitiram que faziam sem pensar nas consequências”, compartilha Luís. Todo mês, as comunidades recebem temas diferentes, como sexualidade e drogas, para debater. O trabalho é realizado no mesmo formato no turno da manhã, mas os participantes têm autonomia para definir atividades diferentes. Elaine Rodrigues, 15, é a prefeita nesse período e conta com o apoio da assessora Rayssa Neves, também com 15 anos. 
Há três anos no Lar Fabiano de Cristo, Rayssa também passou pelos cargos de vereadora e secretária, chegando até a entrar na disputa pela prefeitura. “Estou desde o começo da cidade e tem sido uma experiência maravilhosa mesmo, aprendi muitas coisas sobre o que acontece em uma cidade. A importância da reciclagem para os moradores foi uma delas”, conta. Para ela, o que mais impressiona as pessoas de dentro e de fora da ONG é a união entre as crianças e jovens. Cada comunidade fica encarregada de cuidar de alguns ambientes do prédio e ela diz que, muitas vezes, eles se mobilizam para consertar problemas estruturais simples ou arrecadar materiais que estão em falta. 
Como se assessorar a prefeita não fosse trabalho suficiente, ela também está envolvida na turma de karatê, teatro e dança. Para o ano que vem, quer fazer o curso de informática avançada, que é ministrado dentro do LFC, em uma parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac). “Só tenho que agradecer ao Lar, foi por meio desse trabalho que descobri o karatê, que hoje é a minha inspiração. Quero passar para os meus filhos tudo o que aprendo aqui”, completa. Luís Henrique está aproveitando as oportunidades oferecidas pela ONG para se capacitar e já realizou os cursos de mecânico de motor diesel, de operação e de manutenção de computadores.
“O Lar Fabiano de Cristo está nos preparando para a vida e não só na questão de trabalho, mas em experiência pessoal mesmo”, destaca. Para Norma Carvalho, supervisora da unidade, é muito gratificante observar os frutos da atuação da ONG e da implantação da cidade de Irupé. “É interessante observar a forma como eles se organizam. Aqui dentro eles têm autonomia para opinar nas atividades pedagógicas, além de se mobilizarem para levar ações para fora dos muros da escola”, explica. Os estudantes levam discussões para outras escolas e até já realizaram manifestações no bairro, munidos de caixas de som e panfletos para conscientizar sobre o despejo inadequado de lixo e para pedir a instalação de semáforo na rua. 

IMPEACHMENT 

Outra ocasião interessante ressaltada por Norma foi o impeachment. Ela lembra que os alunos do turno da tarde fizeram um abaixo-assinado para reclamar do comportamento do então prefeito de Irupé, que não acatava as decisões acertadas nas assembleias. “Depois disso, novas eleições foram realizadas e o aprendizado sobre democracia tem se fortalecido, especialmente entre os membros da gestão de Irupé, que aprendem a trabalhar em equipe”, pontua. A escala de cuidados com a horta e com a alimentação das tartarugas criadas na ONG são montadas pelos secretários, por exemplo. 
A cidade-laboratório também conta com um jornal e um conselho de mediação de conflitos, ideia dos próprios “moradores”. “Alguns deles tiveram a chance de participar de um curso de mediação e depois disso, tiveram a ideia de criar o conselho. Fizeram a proposta em assembleia e foi aprovada pelos alunos. O conselho já resolveu atritos entre grupos, com sucesso”, ressalta. Com tudo isso, a supervisora nota que os garotos e garotas de Irupé estão progredindo em termos de maturidade e senso crítico. 
Norma calcula que, desde que o LFC começou a promover cursos profissionalizantes através de parceiros, em torno de 500 pessoas se capacitaram com a ajuda da Casa de José. Maria das Graças Pantoja, 43 é uma delas. Mãe de seis filhos homens, ela diz que todos eles já passaram pela ONG. Ela mesma fez os cursos de bombons regionais, salgados, artesanato e costura. “Além de me ajudar a ter uma ocupação que pudesse gerar renda, o Lar tem contribuído para os meus filhos. O segundo, hoje com 21 anos, terminou os estudos cedo, não atrasou na escola e já está no mercado de trabalho porque contou com o reforço daqui. Todo bairro deveria ter um trabalho desse, que ocupa o tempo dos filhos”, declara. 
O projeto da cidade de Irupé é um dos semifinalistas da 11ª edição do Prêmio Itaú Unicef. O resultado será divulgado no dia 16 de outubro. A ONG é mantida pela Capemisa Seguradora, empresa que foi criada justamente para assegurar o apoio a este trabalho social. Além disso, ela tem pelo menos 15 instituições parceiras. A Casa de José possui muitos ambientes: biblioteca comunitária, sala de costura industrial, espaço de artesanato, refeitório, estamparia, entre outros. Porém, um espaço está sendo ansiosamente aguardado pelas crianças e adolescentes: o campo de areia, que será construído no próximo dia 9 de outubro pelos colaboradores da Telefônica Vivo, durante a realização do Dia dos Voluntários promovido pela empresa.

Lar Fabiano de Cristo vai receber reformas no Dia dos Voluntários

O Dia dos Voluntários, realizado através da Fundação Telefônica Vivo, ocorre há 10 anos em todo o Brasil e está na quinta edição na capital paraense. Um grupo de 120 funcionários irá ao Lar Fabiano de Cristo para reformar a quadra de vôlei e futebol, fazer a limpeza do espaço e revitalizar a pintura e grafitagem dos muros. Os municípios de Marabá, Redenção e Santarém também realizam a ação, envolvendo 200 colaboradores em todo o Pará. Neste ano, serão atendidas 47 instituições em 40 cidades brasileiras, beneficiando cerca 25 mil pessoas. 
O diretor da Telefônica Vivo para a Regional Norte, Ricardo Vieira, fala sobre a relevância da iniciativa para as entidades e também para os trabalhadores. “O trabalho não acaba ao fim do dia. É muito comum que o colaborador crie vínculos com as instituições atendidas”. Ele considera um dia de grande aprendizado e “olhando de um ponto de vista prático, nós conseguimos identificar lideranças, ver quem sabe trabalhar em equipe”. 
Segundo ele e a embaixadora do Comitê de Voluntários da Telefônica Vivo, Alessandra Ewerton, a ação gera trocas muito interessantes entre empresas e pessoas. Todo ano, uma ONG diferente é ajudada e o engajamento crescente tem sido uma resposta positiva. O número de participantes em Belém dobrou desde a primeira edição, tornando o comitê local uma referência de mobilização. “No dia, muitos setores param totalmente, mas temos atendimentos e lojas que não podem fechar. Para esses casos, criamos um “game do bem”, que é uma forma de ajudar virtualmente. Tem uma série de ações digitais que eles podem fazer para divulgar e colaborar com a causa. Por enquanto, isso é interno, mas temos planos de abrir essa plataforma para a sociedade futuramente”, adianta Alessandra. 
A analista de rede Cleide Pereira, 44, e o analista de telecomunicações Gilson Mácola, 35, vão participar do Dia do Voluntário e compartilham a satisfação que sentem em poder colaborar. “Participo desde a primeira edição e o projeto tem mantido a essência, que é ajudar o próximo. Fazer isso dentro do horário de trabalho faz você repensar sua atitude”, comenta Cleide. Para o colega dela, esse fator derruba a desculpa da falta de tempo para se dedicar ao voluntariado. “Ao fazer isso, a empresa derruba as suas barreiras e alimenta essa vontade de se doar”, complementa. 
 De acordo com a experiência deles no Dia do Voluntário, um efeito bom é a ligação estabelecida com as entidades. Gilson percebeu que os funcionários que moram perto das ONGs atendidas continuam interagindo com elas. “Teve um ano, que foi muito tocante para mim, que trabalhamos em um asilo. Minha família conheceu o lugar e até hoje meu pai contribui para o trabalho deles”, conta Cleide. A Fundação Telefônica Vivo também se comprometeu a recolher os uniformes dos trabalhadores, que são trocados anualmente, em todo o Estado e entregar ao Lar Fabiano de Cristo. Serão centenas de calças e camisas que serão aproveitadas pelas integrantes das oficinas de costura e customização, para depois serem vendidas. 
Em Santarém, será beneficiado o projeto “Saúde & Alegria”; em Marabá, a ONG Comunidade Kolping de Marabá Pedro Arrupe; e em Redenção, a Associação Mulheres de Raça (Amar). Em Belém, o Lar Fabiano de Cristo fica na rua Barão de Igarapé Miri, 527. Os telefones para contato são 3249- 7795 e 9 9212-8998.

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

“Vaga Lume” encanta de livros o Marajó

*Publicado na página Responsabilidade Social, no jornal O LIBERAL de 26/11/2015



BRENDA PANTOJA
Da Redação

     O Marajó é terra encantada, cheia de lendas e mitos que causam fascínio. Nas comunidades do arquipélago, o encantamento não vem só das narrativas amazônicas, mas também dos pontos de leitura espalhados pelo Projeto Vaga Lume, que implanta bibliotecas em localidades rurais e ribeirinhas da Amazônia Legal. O trabalho é realizado desde 2001 e conta com 159 bibliotecas em 23 municípios, levando muito mais do que um acervo de livros novos para estas populações. Os espaços são administrados de forma conjunta pelos moradores, adaptando o seu funcionamento à realidade de cada região, e cultivam o hábito da leitura entre milhares de crianças e adolescentes. Os adultos também se beneficiam da iniciativa, que estimula a capacidade de articulação das lideranças comunitárias. 
     Somente em Soure, que é a maior cidade da Ilha do Marajó, há seis unidades. Uma delas fica na Comunidade do Céu, acessível de canoa pela praia do Pesqueiro ou de carro por dentro de uma fazenda. A vila é cheia de coloridas casas de madeira e fica de frente para a praia, recebendo um vento constante, além de ter uma rotina muito diferente da correria das grandes cidades. É lá que mora Maria Clara Rodrigues, que já é uma leitora ávida aos 8 anos de idade. Desde janeiro, ela leu mais de 75 livros, sendo a detentora da maior ficha de empréstimos da biblioteca Vaga Lume local. Os registros são tantos, que não couberam na ficha e passaram a ser anotados em um caderno à parte.
     Para escolher as leituras da semana, Maria Clara vai até a casa da voluntária Patrícia Monteiro Lima praticamente todas as tardes. Há três anos, a casa de Patrícia – mais especificamente, a varanda - é o ponto de encontro para todos que quiserem pegar os livros emprestados e participar das rodas de leitura. Graças ao esforço dela, que trabalha como merendeira na escola da comunidade, mais de 50 crianças, jovens e adultos, são frequentadores assíduos da biblioteca. “O acervo chegou em 2012, mas foi colocado na sede da associação da comunidade, que passa muito tempo fechada. Percebi
que os meninos e meninas não tinham acesso e trouxe para casa. Deu muito certo”, conta.
     Deu tão certo que a comunidade está arrecadando dinheiro para construir uma sede, feita de taboca e palha, que abrigue os 450 livros. O projeto está pronto e deve custar em torno de R$ 1.200. Para a Maria Clara, vai ser muito legal ter mais um espaço para ler confortavelmente. “Levo vários livros, uns cinco de cada vez. Gosto de ler no meu quarto, depois do almoço. Antes também. Os livros me ajudam em algumas lições da escola, gosto muito de pesquisar sobre os índios”, diz a menina. A mobilização em torno da biblioteca na Comunidade do Céu é um bom exemplo de como as pessoas se apropriam da iniciativa, o que é o seu principal fator de sucesso, afirma Sylvia Guimarães, presidente da organização não-governamental (ONG) paulista.
     Em outubro do ano que vem, a ONG Vaga Lume comemora 15 anos desde a implantação do primeiro espaço, que foi inaugurado justamente no Marajó, na Vila do Pesqueiro. Em preparação ao aniversário, a entidade promoveu uma expedição e levou nove educadoras para percorrer todas as bibliotecas, em uma missão que foi realizada nos últimos cinco meses. De acordo com Sylvia, o objetivo é coletar dados para montar um ranking, direcionar  melhor os investimentos e montar o planejamento do ano que vem. No momento, o foco é engajar mais pessoas físicas na manutenção do projeto através de doações mensais.
     Para ajudar a montar uma estratégia de ação, alguns colaboradores de São Paulo foram a Soure para conhecer as comunidades do Caju-Una, Céu e Pesqueiro. A visita ocorreu no último final de semana, através da empresa Turismo Consciente, e foi organizada por uma das fundadoras da ONG, Maria Teresa Meinberg. O grupo era composto de profissionais de marketing, publicidade, recursos humanos e outras áreas, que conhecem o projeto desde o início. A ideia era que eles vissem de perto o impacto causado pelas bibliotecas, para conseguir elaborar campanhas de engajamento entre a sociedade.

Iniciativa ajuda a construir consciência crítica e abrir novos horizontes

   Durante as visitas, a equipe conheceu muitas histórias interessantes, como a do agente multiplicador André Luís Nascimento, 19, que cursa o segundo ano de Letras na Universidade Federal do Pará. Foi na Comunidade do Caju-Una, onde a pesca é a principal atividade, que ele conheceu o projeto, na época com 12 anos. “A primeira coisa que mudou, logo de cara, foi o meu contato com os livros, que passou a ser direto e frequente. Fiquei tão envolvido que logo virei voluntário e ajudava na organização da biblioteca, no controle dos empréstimos e outras tarefas”, lembra.
        Ele foi crescendo junto com o Projeto Vaga Lume, que se firmou no Caju-Una e no Marajó, com mais 23 bibliotecas espalhadas por Breves e Portel. Ainda adolescente, André já atuava como educador, mediando as leituras. Esse contato, segundo ele, o ajudou na hora de decidir se tornar professor. “Os livros despertam a curiosidade, abrem os horizontes e ajudam a construir uma consciência crítica. Eu posso dizer, por experiência, que os livros são instrumentos de transformação social”, defende. 
       Em função da faculdade, ele se mudou da vila para a cidade de Soure, mas fica feliz ao ver que o projeto continua firme no Caju-Una. Os livros ficam guardados dentro de um bar, que está fechado, e a coordenadora da biblioteca, Valdileide Medeiros, garante que a principal meta é conseguir um local específico para o acervo. Para recepcionar os visitantes, os educadores e as crianças montaram um
ponto de leitura embaixo das árvores, na praça da vila, onde apresentaram peça de teatro, rodas de capoeira e promoveram um bonito momento de intercâmbio cultural. 
      Na Vila do Pesqueiro, a programação foi parecida e teve muito carimbó e exposição de livros artesanais, fotos e documentos que registram a história da primeira biblioteca instalada pela ONG, que funciona dentro da Escola Santa Luzia e já conta com mil livros, diz a professora Neide
Borges, 42, coordenadora do espaço. “Mudou muita coisa desde que os livros chegaram aqui. As crianças aprenderam a gostar de ler e tirar proveito dessa fonte de cultura e conhecimento. Aumentou a vontade de estudar e o desempenho nas notas. Até os pais que não liam, agora já leem”, afirma.
      Só no ano passado, 18 voluntários foram capacitados na comunidade, o que mostra a força de vontade das pessoas em manter o projeto funcionando bem, acredita a professora. “Além das atividades na escola, os voluntários passam nas casas para oferecer os livros. É uma ação que fazemos que dá certo porque ganha o interesse das famílias”, acrescenta. 
       A estudante Aline Almeida, 10, tira bastante proveito da biblioteca comunitária. “É muito bom ter sempre livros novos para ler, a gente aprende várias coisas, como preservar a natureza e o espaço onde vivemos. Com a leitura, a gente também consegue se expressar melhor e conhece palavras novas”, destaca.
      O envolvimento dos voluntários e o esforço das pessoas que participam do projeto é uma das coisas que mais chama a atenção da garota. A educadora Celice Gonçalves, 32, reforça que a participação dos moradores é fundamental. “O livro por si só não faz tanta diferença. É preciso que alguém o apresente para o público, por isso investimos nas formações locais. A gestão também é inteiramente comunitária, pois se adequa ao que funciona melhor para aquelas pessoas”, explica. Ela já viu comunidades que não conseguiram se organizar e fecharam as bibliotecas. “O processo de apoderamento é o mais interessante de tudo. A biblioteca tem que fazer sentido para as pessoas, senão o trabalho não tem continuidade”, resume.

ONG já formou 3.173 mediadores, 482 multiplicadores e 800 voluntários

    A ONG Vaga Lume foi fundada em 2001 por Sylvia Guimarães, Maria Teresa Neimberg e Laís Fleury. Movidas pela curiosidade, as três amigas, moradoras de São Paulo, decidiram conhecer a Amazônia e fazer algo em prol das comunidades visitadas. O projeto piloto consistia em montar uma biblioteca, composta por uma estante recheada de livros de literatura e acompanhada de uma formação de mediadores de leitura. A expedição durou 10 meses e percorreu a Amazônia Legal, implantando dezenas de unidades. A ação foi tão bem sucedida que foi retomada pouco tempo depois e se tornou um trabalho permanente. 
    Em 15 anos, o projeto já formou 3.173 mediadores de leitura e 482 multiplicadores da metodologia, além de receberem o apoio de mais de 800 voluntários. Desde 2001, 86.328 livros novos foram distribuídos e mais de 22 mil crianças e jovens foram beneficiados apenas em 2014. “Os números são expressivos e nos dão muito orgulho, mas quando a gente para pra pensar na dimensão da Amazônia, ainda temos muito trabalho a fazer”, ressalta Sylvia. A partir da expedição de avaliação, a ONG vai montar um relatório e estudar maneiras de se fortalecer. 
      A presidente da entidade enfatiza que a Vaga Lume quer crescer e está em busca de parceiros. “A nossa metodologia é o nosso trunfo, estamos tentando engajar pessoas e empresas em São Paulo e na Amazônia, sempre tendo em mente que essa causa, do acesso à leitura, é muito humanitária,  pois promove cidadania em uma região estratégica”, pontua. A ONG tem um esquema de contribuições mensais no valor de R$ 30, basicamente o preço de um livro, através do site www.doe.vagalume.org.br. Sylvia também incentiva as doações por meio da Lei Rouanet, que podem ser feitas tanto por pessoas físicas quanto jurídicas até 30 de dezembro. O valor investido é ressarcido no ano fiscal seguinte, na forma de abatimento ou restituição no Imposto de Renda.


SERVIÇO: 
Site: http://www.vagalume.org.br/ e http://doe.vagalume.org.br/
Facebook: /AssociaçaoVagaLume
Telefone: (11) 3031-8535
E-mail: colabore@vagalume.org.br


quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Diabetes exige cuidados de quem dirige

*Publicado em O LIBERAL de 15/06/2014

BRENDA PANTOJA
Da Redação

   Diabetes é uma doença que exige cuidados constantes e o paciente precisa seguir à risca o tratamento, que inclui remédios, dieta e exercícios físicos, conforme a recomendação médica. Pular uma refeição ou não tomar os medicamentos corretamente pode causar mal súbito e perda de consciência. Este foi o quadro apresentado por uma motorista, no último dia 15 de maio, que perdeu o controle do carro e atingiu fatalmente quatro pessoas na avenida Augusto Montenegro. Não há legislação específica relacionada aos diabéticos e à direção, mas a Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet) elaborou algumas diretrizes a serem seguidas.
   Há 10 anos, a Abramet divulgou o estudo “Diabetes Mellitus e Risco na Direção Veicular”, em parceria com o Conselho Federal de Medicina, e definiu algumas orientações. Para a entidade, os portadores de diabetes tipo 2 (não dependente de insulina) podem ser considerados aptos para conduzir qualquer veículo sem restrições, pois apresentam menos risco de hipoglicemia grave, que é o baixo nível de glicose no sangue. Já quem registrou episódio de hipoglicemia com perda de consciência no último ano deve ser considerado inapto temporariamente.
      No caso de motoristas profissionais, é necessário realizar  testes de glicemia uma hora antes de começar a dirigir e quatro horas após dirigir de modo contínuo. Se o valor for inferior a 70 mg/dl, o recomendável é não iniciar ou interromper a atividade. O documento ressalta que, em todos os casos, é fundamental que os pacientes estejam sob acompanhamento médico adequado, com alimentação e medicação controladas. As normas também podem ser consultadas no site da Rede Nacional de Pessoas com Diabetes, no endereço www.rnpd.org.br.
      O taxista Eliseu de Lima, 38, é diabético há 29 anos e carrega consigo sempre bombons e doces dentro do carro, pois a hipoglicemia já foi a causa de um acidente em 2002. “O carro capotou e graças a Deus não teve nenhuma vítima grave. Naquela ocasião, foi teimosia minha, porque eu sabia que estava sentindo os sintomas da falta de açúcar”, lembra. Como todos os diabéticos são orientados a fazer, ele verifica a glicose diariamente e, ao longo do dia, identifica o nível abaixo do normal se começa a sentir formigamento na língua e os reflexos lentos.
      “Agora eu sei a importância de cumprir o tratamento certinho e não tenho crise de hipoglicemia há muitos anos”, garante. O médico do trabalho José Marcelino da Silva Júnior alerta para os perigos da hipoglicemia. “Diabetes é uma doença genética, que pode se manifestar logo ao nascer ou no resto da vida. O exame da glicose deve ser feito na sala de parto, para evitar que o bebê diabético apresente convulsão, entre em coma e venha a morrer pouco tempo depois”, explica.
Ainda de acordo com ele, o mesmo quadro pode se repetir em uma pessoa adulta que tenha a doença. O médico atua na Casa do Diabético, organização não- governamental (ONG) que presta apoio aos pacientes. “O mal-estar é rápido, às vezes a perda de consciência é rápida e momentânea, mas é tempo suficiente para que aconteça uma tragédia. É preciso ficar atento também na hora de tomar a medicação, pois se a glicose já estiver no limiar, os níveis baixam rapidamente e ele pode desacordar”, esclarece.

CARTÃO
       A ONG é o único local que fornece aos diabéticos um cartão que informa a condição e deve ser carregado junto com os documentos. No papel, o texto diz que se o comportamento do portador for anormal, com tremor, palidez, crise convulsiva, estado de aparente embriaguez ou torpor psíquico, algumas providências devem ser tomadas. As medidas devem ser dar água com açúcar ou outra bebida açucarada, em caso de desmaio, colocar um pouco de açúcar na boca do diabético, aplicar glucagon intramuscular ou subcutâneo, além de encaminhar a um pronto-socorro.
      “Existem inúmeros diabéticos dirigindo, inclusive profissionalmente, burlando a legislação. Essa informação tem que ser fornecida ao tirar a habilitação, mas muitos omitem”, pontua. Para a psicóloga que atua na ONG, Rosimeire Meira, a conscientização do diabético é importante para evitar episódios frequentes de hipoglicemia e fazer com que o tratamento seja bem sucedido. “É uma doença que não tem cura, que tem várias restrições, que pode ter complicações sérias e exige uma disciplina diária. Muitos demoram a aceitar tudo isso e é preciso trabalhar com eles a valorização da própria vida, da própria saúde”, observa.
       A adaptação não foi fácil para a dona de casa Lucinete Monteiro, 53, que descobriu o diagnóstico há dois anos. “Mudei muitas coisas na alimentação. No começo, fazia o acompanhamento direito, mas depois relaxei. Por causa da diabetes, quase perdi a visão, fiquei mais de um mês sem enxergar direito”, conta. Como não seguia exatamente o tratamento necessário, ela enfrentou complicações quando cortou o pé, há seis meses. “Tiveram que amputar uma parte do pé, talvez minha recuperação tivesse sido melhor se eu obedecesse as recomendações médicas”, reconhece. Mesmo ainda tratando o corte, Lucinete diz que se sente bem melhor. O contato da ONG é através do telefone 3228-2590 ou na sede, localizada na travessa Mauriti, 2743, entre as avenidas Almirante Barroso e Romulo Maiorana.

quarta-feira, 10 de junho de 2015

Projeto leva economia justa a Cotijuba


*Publicado na página Responsabilidade Social, no jornal O LIBERAL de 31/07/2014

BRENDA PANTOJA
Da Redação

      Um galpão pequeno, onde se pode ouvir o barulho que o vento faz nas folhas das árvores, é o ambiente de trabalho da artesã Danielle Conceição, 34. Com as mãos ágeis, ela manipula os fios que depois serão usados para compor as biojoias e bloquinhos de papel reciclado produtos do Movimento de Mulheres das Ilhas de Belém (MMIB). A sede da entidade fica na ilha de Cotijuba, localizada a 40 minutos de barco da capital paraense, e vai ser o ponto de distribuição de artesanato regional para todo o país, via internet.
      Esta é a proposta do projeto Amazônia Justa, desenvolvido pelo MMIB em parceria com o Instituto Brasil Justo e com apoio da Petrobras. Em andamento há quatro meses, a primeira fase do projeto está terminando e consiste na realização de cursos, oficinas e compras de maquinários. O cronograma prevê a inauguração da loja virtual em fevereiro de 2015, no site www.istoesustentavel.com.br. Até lá, serão realizados eventos e exposições para divulgar a iniciativa. 
      Danielle aprendeu a confeccionar os acessórios a partir das folhas de priprioca, bananeira e sementes em 2009, quando se associou ao movimento. “Fazia algumas peças de crochê antes, mas, por distração. A partir do curso de biojoias vi que tinha um outro caminho, uma outra forma de ganhar dinheiro sem ter que ir para a cidade”, conta.
        Ela morou em Belém por cinco anos, para estudar, mas não pretende deixar a ilha novamente. “Aqui o ritmo de vida é outro, a gente trabalha com tranquilidade”, acrescenta. A artesã se divide entre o trabalho em casa, com os dois filhos adolescentes, e a ajuda no MMIB. “A gente sempre está produzindo, às vezes mais, às vezes menos, mas sempre tem peça para vender. As ações do Movimento tem atraído bastante público jovem, e eu que sou mãe fico de olho nisso, porque aqui os jovens não têm muita ocupação”, afirma. Além do Bolsa Família, que recebe mensalmente, ela complementa a renda familiar com o valor repassado pelo projeto para os integrantes, que varia
entre R$ 300 e R$ 500. 
        Segundo a coordenadora administrativa do MMIB, Adriana Lima, o Amazônia Justa é composto por seis mulheres e um homem, enquanto o Movimento conta com 68 associados. A entidade existe há 15 anos e promove outras iniciativas, como o projeto Vida e Companhia, que atende cerca de 100 idosos; o projeto Amazônia, que oferece cursos de empreendedorismo para 35 jovens entre 16 e 21 anos; e a conservação da planta ucuuba. O MMIB tem, ainda, um centro de inclusão digital, com aulas semanais de informática e formação de 20 pessoas por trimestre, além da sala de leitura, único espaço do tipo na comunidade.
       “Trabalhamos com biojoias há cinco anos, através de uma parceria com o Instituto Peabiru e a Mapinguari Design, mas a produção de papel artesanal começou em 1999. Agora, com o Amazônia Justa, é que juntamos os dois para comercialização e o principal objetivo é trabalhar, mas sem ter que sair de Cotijuba para vender”, explica. 
       O Movimento já recebeu uma prensa e uma guilhotina industrial, e aguarda uma máquina de corte e vinco. Com o reforço no maquinário, eles conseguem produzir, semanalmente, 100 folhas recicladas, 200 blocos de papel por semana e 50 terços, considerado o destaque do trabalho com as biojoias.  

COOPERATIVA
       Em agosto, a Fundação Curro Velho vai promover uma formação para os participantes do projeto e moradores da ilha. “Além dos acessórios, usamos as sementes e folhas de árvores também nos blocos de papel. Como iremos expandir a distribuição, esta oficina vai ajudar a trabalhar o beneficiamento das sementes e manuseio dos produtos prontos, porque precisaremos fazer estoque e surgem  problemas como umidade e mofo. Também haverá oficina sobre cartonagem e encadernação”, informa Adriana. A ideia, de acordo com ela, é formar uma cooperativa a partir do MMIB, que possa trabalhar na ilha.
      “As propostas que recebíamos era sempre de deixar Cotijuba e ir para Belém para comercializar  nossa produção, mas isso criava mais dificuldades do que ajudava, pela questão de locomoção e dos gastos”, argumenta. Com um plano diferente, o Instituto Brasil Justo já garantiu parceria com o portal www.maniadepoesia. com.br, onde os produtos são vendidos em kits.
        Ainda em agosto, uma integrante do MMIB viajará ao Rio de Janeiro para divulgar os produtos na estação de metrô do Cantagalo, que possui um fluxo de clientes superior a 30 mil por dia, o equivalente a cinco vezes a população que reside na ilha. A oportunidade servirá como um meio de avaliar a aceitação dos produtos no mercado e assim rever padrões de qualidade, atendimento, velocidade de produção, forma de pagamento mais efetuada, dentre outros quesitos fundamentais para o aumento das vendas. 
       “A partir dessa organização poderemos ter uma produção contínua. Antes dependia muito de encomendas, mas agora a demanda vai aumentar naturalmente e não apenas isso, mas o crescimento virá acompanhado de conhecimento e qualidade”, ressalta Adriana.
      Esta também é a expectativa do artesão Delson da Conceição, 32, irmão de Danielle. Ele conheceu o Movimento quando participou da oficina de papel reciclado, há 15 anos, e desde então não abandonou a atividade. “Quem acompanha o trabalho do MMIB há muito tempo, sabe o quanto esperávamos por uma chance e agora chegou essa oportunidade.  Espero que tudo continue dando certo, que a gente possa envolver mais moradores da ilha e fazer desse trabalho uma renda fixa”, reforça.  Além de produzir os blocos e folhas, que ficam prontos entre 30 minutos e duas horas, dependendo do tamanho, ele trabalha fazendo diversos serviços em Cotijuba para aumentar a renda.
          Elcicleia Fernandes, 36, também trabalha como artesã e acredita que o projeto trará resultados positivos para a juventude da região. “Assim como eles, cheguei através de um curso e descobri um  talento que não sabia que tinha. É um trabalho que gosto muito de fazer e a minha filha, de 16 anos até já aprendeu e, de vez em quando, me ajuda com as encomendas”, diz.
          Os três artesãos concordaram que a atuação do MMIB tem atraído a atenção dos adolescentes e jovens, mas por causa das atividades que envolvem máquinas e vínculos empregatícios, são poucas as atividades que eles realmente podem participar. Ainda assim, alguns ajudam no projeto de conservação do ucuuba. Eles fazem monitoramento nos viveiros, catalogam plantas e mapeiam as espécies. 

CONVÊNIO
        Por isso, Adriana adianta que a associação está buscando convênio com o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) para levar cursos do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec). Sobre a trajetória do Movimento, ela pondera que foram muitos anos realizando pequenos cursos, mesmo sem enxergar como essas ações trariam, de forma concreta, grandes mudanças na realidade local. “Nós persistimos e apostamos em uma combinação importantíssima: conhecimento tradicional, produção artesanal e sustentabilidade. São 30 pessoas na entidade que vivem isso diariamente, se dedicando integralmente, e nós visualizamos que a geração de renda a partir disso não é um sonho impossível, pelo contrário, é uma realidade se concretizando”, defende. Para ela, eles nadam contra a maré ao promover um trabalho econômico e social como este, uma vez que é comum os jovens saírem de Cotijuba e percorrerem o estado atrás de oportunidade.

Portal mudará visão da população que ainda depende de bolsas do governo
      Força de vontade, técnica  e localização geográfica são as principais ferramentas de que a população precisa dispor para se conscientizar de que pode transformar a sua realidade, na visão do coordenador geral do projeto pelo Instituto Brasil Justo, Célio de Carvalho. “Isto ficará bem claro para a população quando o Projeto começar a gerar rendas maiores do que eles estão acostumados. Hoje a população está dependente de várias bolsas oferecidas pelo governo, além de empregos distantes de suas casas para se manterem. No futuro, com o andamento do projeto, isso vai mudar”, garante.
      Ele lembra que a ideia vem sendo discutida desde 2011, quando buscavam uma forma de incentivar a proteção da floresta amazônica e gerar renda para os pequenos produtores e associações locais. “O principal foco do Amazônia Justa é abrir um canal de vendas para as comunidades da Amazônia que possuem uma produção eco-sustentável e se localizam em regiões afastadas dos grandes centros”, define. 
      Segundo ele, os obstáculos encontrados, como a falta de subsídios, capacitação e renda, poderiam ser minimizados eliminando os intermediários e adotando o e-commerce. O mesmo portal também vai vender o mel produzido pela Associação de Meliponicultores de Curuçá (Asmelc) e os pacotes de turismos de base comunitária da agência de ecoturismo “La no Mangue Ecotour”. Célio de Carvalho diz que embora haja mercado para produtos sustentáveis, muitas pessoas ainda acham que são itens ruins, que apodrecem e possuem um prazo de validade curto. “Nosso desafio é aumentar a qualidade desses produtos, padronizá-los, criar um controle de qualidade e ganhar a confiança dos clientes. Para isso o projeto investe nas máquinas, cursos e realização de Procedimentos Operacionais Padrões (POPs) para cada produto”, aponta.
      O conceito exercitado pelo instituto é o da Economia Justa, que, em termos reais, é gerada quando o consumidor final paga o preço de mercado de um produto e mais de 70% deste valor vai para o produtor. Segundo ele, por meio do portal, 95% do valor da venda irá para o MMIB e os outros 5% serão utilizados para pagar o seguro virtual e impostos.

PLANO
     O instituto formatou um plano de negócios e de marketing para o projeto, que inclui a participação de artistas na fase de divulgação dos produtos, e começaram a inscrever a iniciativa em editais. No final do ano passado, o patrocínio foi aprovado pelo edital Petrobras Comunidades. “Vendendo o que os nativos produzem, criamos a possibilidade para que eles gerem renda familiar e permaneçam de forma sustentável em suas terras, protegendo-as. Aumentando a demanda das biojoias, demandaremos mais mão de obra da Ilha, gerando mais renda verde para a população local. Socioambientalmente  falando, tem coisa mais bonita que isso?”, resume. No site www.institutobrasiljusto.org.br, é possível encontrar informações sobre os outros projetos desenvolvidos pela organização.

terça-feira, 2 de junho de 2015

Obra em condomínios ficará mais cara


*Publicado em O LIBERAL de 06/04/2014

BRENDA PANTOJA
Da Redação      

     As reformas de imóveis em condomínios ficarão mais caras a partir de 18 de abril, quando as obras feitas por moradores não poderão mais ficar a cargo do pedreiro de confiança ou do profissional autônomo conhecido como “faz-tudo”, devendo ser responsabilidade de empresas especializadas. A regra vale para propriedades residenciais e comerciais, novas e usadas, e foi estabelecida pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), que publicou a norma NBR 16.280 e estabeleceu um roteiro de procedimentos para condôminos e síndicos.
    A principal exigência é a elaboração de laudos, assinados por engenheiro ou arquiteto, para serem aprovados pelo síndico, que deverá consultar especialista para analisar o laudo e propor as mudanças necessárias, caso entenda que a obra oferece risco à edificação ou aos moradores. Isso vale mesmo para obras mais simples, como pinturas interiores. Os custos da contratação de profissional para avaliar a reforma e fornecer um laudo são de, no mínimo, R$ 2.500 mais a taxa de R$ 250 por hora de trabalho, conforme a tabela do Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia (Ibape). 
      No Pará, o Sindicato dos Condomínios do Estado (Sindcon) orienta, desde 2012, os síndicos a cobrarem dos moradores o planejamento das obras. Segundo o presidente da entidade, José Nazareno Lima, a ação preventiva foi adotada depois que o Ministério Público do Estado (MPE) emitiu a recomendação 06/2012, por meio da Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor, exigindo os procedimentos. “Se deixar, as pessoas fazem o que bem entendem e quebram onde querem. Já era instrução nossa para eles, mas esta norma vai dar mais força e estimular o comprometimento de todos”, avalia.
      O Sindcon aconselha os administradores que denunciem aos Conselhos de Engenharia (Crea/PA) ou Arquitetura (Cau/PA) e recorram à justiça para embargar obras que contrariam as medidas de segurança. São cerca de 1.400 condomínios cadastrados na Grande Belém, de acordo com Nazareno, e ele acredita que será papel dos síndicos fiscalizar as obras. “Haverá muita reclamação, mas os moradores terão que se adequar”, afirma. O engenheiro civil e arquiteto Alexandre Ferreira, segundo vice presidente do Crea/PA, alerta que as normas da ABNT são obrigatórias e a responsabilidade do monitoramento será dos síndicos, mas diz que o órgão também poderá fiscalizar.

RESPOSTA
      “A medida surge em resposta ao acontecido no edifício Liberdade, no centro do Rio de Janeiro, há dois anos. É uma  necessidade para o setor, pois fecha o cerco ao amadorismo e vai coibir a atuação de quem não estudou para fazer essas intervenções”, reforça. Para ele, antes da regulamentação, os condôminos sentiam-se livres para fazer alterações perigosas na estrutura dos prédios, modificações que não constavam no projeto inicial e poderiam prejudicar as fundações, principalmente em prédios mais antigos. “A norma pode parecer dura quando inclui ações simples, como a pintura das paredes, mas não está errada. É comum o morador começar com uma pintura e decidir fazer outros serviços durante a reforma”, justifica.
      A arquiteta Albanice Pantoja diz que, na maioria das vezes, se dispensa a apresentação de laudos para poupar tempo e dinheiro. “É preciso conversar para mostrar ao cliente que o laudo é importante se a obra for causar alguma mudança estrutural, em alguns casos a gente até se recusa a fazer sem a supervisão de um especialista”, conta. Mesmo uma troca de revestimento pode afetar a edificação, exemplifica. “Teve um caso em que o morador queria colocar o piso de granito por cima do atual, o que iria acrescentar peso no andar. Pode parecer pouco, mas se outros moradores fazem o mesmo, representaria um peso não calculado no projeto”, esclarece. Para ela, a segurança será o principal ganho para todos.
     O professor aposentado Mauro Castelo Branco, 65, é síndico há quatro anos em um edifício na avenida Conselheiro Furtado e diz que foi pego de surpresa pela nova regra. “A gente se guiava pela conversa e pelo bom senso. O morador me avisava, assim como aos vizinhos ao lado e abaixo, mas não era obrigado a mostrar projeto técnico. Alguns até apresentavam o engenheiro ou arquiteto, mas informalmente. A norma traz mais respaldo e segurança, principalmente para o síndico, que também responde em casos de complicação na estrutura do prédio”, pontua. Ele se comprometeu a buscar mais informações sobre a norma e repassar aos condôminos, já que o prédio tem algumas reformas em andamento. “Em todos os anos que moro aqui, a estrutura nunca correu risco por causa de obras indevidas. O maior problema, geralmente, é quando os vizinhos reclamam do barulho e sujeira. Com a contratação de profissionais especializados, os custos vão aumentar e isso vai exigir negociação, se representar gastos para o condomínio”, diz ele.
    A NBR 16.280 é intitulada “Reformas em edificações – Sistema de Gestão de Reformas – Requisitos” e tem 17 páginas, com etapas a serem seguidas antes, durante e depois das reformas, assim como as responsabilidades dos profissionais, clientes e síndicos. O documento está disponível para venda no site www.abnt.org.br, no valor de R$ 67. 

Entenda a norma NBR 16.280 da ABNT
• O documento contém os procedimentos exigidos para obras (mesmo que somente no interior) em edificações novas e antigas, comerciais e residenciais. As normas passarão a valer em 18 de abril, mesmo para obras como pinturas ou troca de revestimento.
• Toda reforma deverá ser comunicada ao síndico, que poderá autorizá-la ou não.
• Todo o programa da obra deverá ser descrito em um laudo, elaborado por um arquiteto ou engenheiro.
•  Não será permitido contratar apenas um pedreiro ou pintor de confiança, mas sim empresa capacitada ou especializada, com um responsável legal pelo projeto.
• Contratar um profissional para avaliar e produzir um laudo custa, em média, R$ 2.500 mais R$ 250 por hora de trabalho
• Será responsabilidade do síndico fiscalizar se os documentos estão regularizados. Caso as normas sejam desobedecidas, ele poderá procurar os Conselhos de Engenharia ou de Arquitetura, a prefeitura ou a justiça para embargar a obra.

domingo, 31 de maio de 2015

Relatos de um certo Milton Hatoum

* Publicado no Guia da XVIII Feira Pan-Amazônica do Livro, encartado no jornal O LIBERAL em 30/05/2014 


O escritor amazonense de origem libanesa será um dos principais homenageados da Pan-Amazônica deste ano. Para ele, o convite reforça o seu amor pela capital paraense.

     Nascido em Manaus e com descendência libanesa, o escritor Milton Hatoum, de 61 anos, não esconde o carinho por Belém. Ele diz que o convite para ser o escritor homenageado da Feira Pan-Amazônica deste ano, juntamente com o título honorífico de “Cidadão do Pará” concedido no ano passado pela Assembleia Legislativa do Estado, reforçaram um “antigo caso de amor” com a capital paraense. 
      Mesmo contemplado quatro vezes com o Prêmio Jabuti, o amazonense conta que não acredita muito em “méritos”. Mas ele é considerado um dos grandes escritores do Brasil e sua obra inclui romances como “Relato de um Certo Oriente”, “Dois Irmãos”, “Cinzas do Norte”, “Órfãos do Eldorado” [onde deixa escapar seu amor por Belém], além dos livros de contos, crônicas e poesia. Com publicações traduzidas  em 12 línguas e lançadas em 14 países, Hatoum fala sobre a conexão com a cultura árabe e de sua relação com a produção literária regional.

Além do senhor, que tem descendência libanesa, o Qatar também será homenageado nessa edição da Feira, numa abordagem da cultura árabe em geral. Por que se destacar a integração entre duas culturas tão ricas?
Nós somos mestiços, como todos os brasileiros. Homenagear a cultura árabe passa obrigatoriamente pela brasileira. Alguns traços dessa cultura já foram trazidos pelos colonizadores portugueses. Na nossa língua há uma herança árabe, por causa da presença daquele povo por sete séculos na Espanha e três séculos em Portugal. Temos estudos maravilhosos sobre essa influência. 

Sua obra será tema de um seminário, onde serão abordadas as memórias acerca de Manaus e você ministrará uma palestra “Passagens para um Certo Oriente”. Como o seu trabalho faz essa ponte entre Ocidente e Oriente? 
Durante o seminário vou falar das origens do romance [Relato de um Certo Oriente], de como ele surgiu, da relação entre a vida e a literatura, do que me inspirou e quais foram as dificuldades técnicas de construir essa narrativa. Foram quase seis anos de trabalho para terminar esse livrinho, que completa agora 25 anos. Vou dividir as minhas impressões acerca desse Oriente meio difuso, dessa língua árabe que me escapou, mas está na minha alma e memória como uma melodia, uma linguagem da infância. Ela existe como sons, como prosódia e essa carnalidade da língua, que é puramente o som, é muito familiar para mim. Embora eu não fale o árabe, eu o sinto. Isto é algo que se perdeu muito entre os imigrantes, já na segunda terceira geração. A minha família é um exemplo, pois o meu pai era libanês, mas a minha mãe era amazonense.

O que representa, para o senhor, ser o escritor homenageado da Feira e poder interagir com um público tão diversificado, composto em boa parte de jovens leitores? O que espera desse contato?
Sinto-me muito honrado e contente em ser homenageado, em especial, porque agora sou oficialmente também um paraense, pois ganhei o título de “Cidadão do Pará”. Tenho uma verdadeira paixão por Belém, já é um caso antigo. Dois dos grandes amigos da minha vida são de Belém, a Maria Lúcia Medeiros e o Benedito Nunes, com quem publiquei em parceria o livro “Crônica de Duas Cidades: Belém e Manaus”. Foram amigos queridíssimos, com eles aprendi muito, não só a aprendizagem intelectual. Benedito foi, inclusive, um dos primeiros críticos a falar de “Relato” e escreveu um ensaio belíssimo sobre “Dois Irmãos”, que está em sua obra “A Clave do Poético”. A Feira é um evento muito necessário no momento em que não só o Brasil, mas o mundo todo optou pela banalidade e pela trivialidade. Uma secretaria de Cultura que investe numa feira de livros de qualidade está apostando na formação de leitores e consequentemente no fortalecimento da cidadania e consciência crítica. Dar aos jovens a possibilidade de ler bons livros é um alcance incrível do evento. Discutir literatura com eles, com professores e leitores de modo geral será um imenso prazer e é uma coisa fundamental. Em Manaus, a feira começou a ser realizada há poucos anos. Do ponto de vista da cultura, Belém sempre foi muito viva e vibrante e, às vezes, não depende da economia do Estado, depende das mentes que coordenam uma política cultural. 

O livro “Órfãos do Eldorado” explora Belém e está sendo adaptado para o cinema. As filmagens já terminaram? Há novos projetos de adaptação das suas obras?
Sim, a adaptação do livro já terminou e o filme deve ser lançado agora no segundo semestre. Tiveram várias cenas rodadas em Belém, inclusive a Dira Paes (atriz paraense) está no elenco. Espero que passe no circuito comercial de Belém e Manaus, seria tristíssimo se ele ficasse de fora das salas. Mas também há novos projetos. “Relato de um Certo Oriente” vai ser adaptado por Marcelo Gomes, diretor de “Cinema, Aspirina e Urubus”, mas ainda estão trabalhando no roteiro e deve demorar mais. Já o “Dois Irmãos” vai ser mesmo uma minissérie da Rede Globo, dirigido pelo Luis Fernando  Carvalho [que comandou a microssérie “Capitu”, baseado no livro “Dom Casmurro”]. Parece que as filmagens ainda não iniciaram e deve ser lançado somente no próximo ano. 

Como é a sua relação com a produção literária da região?
Gosto muito e observo sempre. A vida cultural em Belém é muito intensa, tenho uma ligação afetiva não só com a cidade, mas com as pessoas. Por exemplo, o fotógrafo Luiz Braga é o autor de muitas capas dos meus livros. A literatura paraense tem grandes poetas, como o Max Martins e João Jesus de Paes Loureiro. Antônio Moura e Marcílio Costa são poetas mais jovens que li recentemente, quando eles gentilmente me entregaram seus exemplares e gostei muito. Não podemos esquecer de Haroldo Maranhão e Vicente Cecim, que é uma espécie de mago da linguagem, um peregrino e transgressor. Todos são escritores que eu admiro. Da própria Maria Lúcia Medeiros, gosto muito dos contos. Na região há toda uma formação de críticos que herdaram a obra do Benedito Nunes, para o estudante de literatura e filosofia do Pará, já é uma referência muito consistente. Então, acredito que se eu fosse aconselhar os jovens, diria que lessem “O Tempo na Narrativa”, de Benedito, que é um livro maravilhoso sobre o tempo nos grandes romances. Usava bastante quando era professor e os alunos gostavam muito.



sexta-feira, 29 de maio de 2015

Preço da refeição é mais alto em Belém

 *Publicado em O LIBERAL de 27/04/2014

BRENDA PANTOJA
Da Redação      

      A tradicional combinação de feijão com arroz continua muito querida pelos brasileiros, principalmente na região Norte, onde a procura pelo prato nos restaurantes cresceu mais de 40%, ficando acima da média nacional de 30%. A pesquisa feita pela Associação das Empresas de Refeição e Alimentação Convênio para o Trabalhador (Assert) constatou também que o preço médio de uma refeição, em Belém, é mais caro do que o valor médio nacional de R$ 30,14. Na capital paraense, é preciso desembolsar R$ 32,46 para pagar um prato mais bebida, sobremesa e café.
       Foram analisados os restaurantes que trabalham nos sistemas comercial, autosserviço, executivo e à la carte. O levantamento, intitulado “Refeição Assert Preço Médio 2014” verificou que o feijão com arroz é democraticamente oferecido em 89% dos estabelecimentos pesquisados em todo o país. Analisados separadamente, o feijão lidera o gosto popular. Segundo a Assert, na região Norte, a preferência pelo feijão cresceu 43%, enquanto a procura pelo arroz aumentou em 41%. Osberto Marques gerencia um restaurante no centro de Belém, no bairro da Campina, e observa esta diferença no consumo, fator que leva em consideração na hora de montar as refeições.
      “Um prato feito pesa cerca de 600 gramas e mais da metade disso é composto por arroz e feijão, podendo incluir também macarrão. Se coloco 180 gramas de arroz, vão duas conchas de feijão, que dá uns 250 gramas”, calcula. A proporção foi elaborada por ele quando entrou no segmento, há quatro anos, depois de quase três décadas trabalhando com cozinha industrial e executiva. “Trabalhei muito tempo com acompanhamento de nutricionistas e resolvi mudar para o público comercial porque queria um rendimento maior. De fato, são clientes que se fidelizam; tem pessoas que almoçam diariamente comigo desde que o restaurante abriu”, conta.
     Pelo próprio perfil dos fregueses dele, que compram o almoço pronto por R$ 8, o cardápio não varia muito. “Eles reclamam se faltar, por exemplo, carne assada e calabresa acebolada. Os tipos de carne não mudam muito, assim como a salada. A grande variedade de pratos é característica de buffets self-service”, diz. Para os paraenses, no entanto, há um diferencial que a pesquisa da Assert não levou em consideração. O açaí faz parte da refeição principal e no restaurante de Osberto, o prato feito pode vir acompanhado de uma porção de açaí, por mais R$ 2.
      Ele oferece a opção de pagar por quilo, mas não é a que faz mais sucesso. “Com a disparada no preço da carne no último ano, eu tive que subir também o valor do prato, mas foi pouca coisa e não  prejudicou as vendas. Aumentou em um real e os clientes não reclamaram, porque eles também sentiram a inflação em casa”, ressalta.

Programa alimentar do governo é considerado ferramenta de inclusão

     O estudo da Assert avaliou ainda que Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT), do Ministério do Trabalho e Emprego, é uma ferramenta de inclusão, uma vez que um trabalhador gasta um montante significativo por mês para se alimentar durante o expediente. 
       O programa beneficia 17 milhões de trabalhadores com registro em carteira, sendo que 80% têm renda até cinco salários mínimos. “Ao atender prioritariamente a população de baixa renda, o PAT assume um forte componente social de inclusão, pois garante a quem mais precisa o acesso à alimentação. Ao elevar a produtividade dos trabalhadores, conforme já comprovado por estudos, ele contribui também para a competitividade da economia brasileira”, destaca Artur Almeida, presidente da Assert. Ele também chama a atenção para o fato de que os estabelecimentos, como o de Osberto, representam uma ótima relação custo-benefício com boa perspectiva de equilíbrio nutricional e no preço. 
      Nestes estabelecimentos o carro chefe é o prato típico da culinária brasileira, onde a base é a mistura de feijão com arroz, rica nutricionalmente, além de algum tipo de carne (bife, frango, filé de peixe) e salada. No Norte, o preço médio do prato nos restaurantes comerciais, acrescido de bebida, sobremesa e cafezinho é de R$ 17,87. Apenas para 40% do público deste segmento, arroz e feijão estão associados a uma alimentação saudável. O técnico judiciário João Batista Abreu, de 53 anos, almoça fora de casa diariamente e faz o possível para controlar os gastos e balancear a alimentação.
      “Prefiro restaurantes populares, de comida a quilo, porque geralmente têm mais opções”, afirma. Em relação aos preços, o aumento foi notado claramente por ele nos estabelecimentos dentro de shopping centers. “Enquanto é possível perceber restaurantes comerciais que ficaram 10% mais caros, esse crescimento pula para até 30% nos shoppings. Só vale a pena quando a gente sai da rotina, pois arroz e feijão ainda são o melhor custo-benefício para quem inclui a alimentação fora de casa no orçamento”, completa.